quarta-feira, 6 de março de 2024

João da Matta Chapuzet: Um Patriota Lusitano

Página de introdução


Carta de João da Matta Chapuzet solicitando meios para si e para Ludgero José Villet voltarem à Portugal e combaterem pela restituição do trono à D. Maria II. A carta faz parte de um conjunto de documentos publicados pelo coronel Chapuzet em 1834, para comprovar que nunca foi atendido em seu pleito de regressar ao seu país e lutar pela restauração, em resposta às intrigas de seus adversários. A primeira imagem ao alto é a página de introdução do livro O Coronel Chapuzet aos seus Compatriotas - Memoria Justificativa e Documentada; Typograpia de Felippe Nery; Lisboa, 1834.    
Minhas pesquisas sobre as origens das famílias Peralta, Chapuzet e Villet revelaram um personagem interessante do qual já tratei em um post anterior e cuja ligação com nossos antepassados era para mim algo nebulosa, até agora. Trata-se do brigadeiro João da Matta Chapuzet, militar português, além de político, escritor, arquiteto e engenheiro. Graças a uma certidão que, mais uma vez, remeteu o atencioso primo Atalives de Resende, e às consultas que eu fiz junto a Biblioteca Nacional de Portugal, pude esclarecer nossas ligações familiares e, ao mesmo tempo, descobrir o caráter de um verdadeiro patriota lusitano.

João da Matta Chapuzet nasceu na freguesia da Lapa, em Lisboa, em 1777*, filho de Gertrudes e João Chapuzet. Sua irmã, Marianna Gertrudes Chapuzet casou-se com Ludgero José Villet, cujo filho homônimo vem a ser o pai da minha trisavô, Maria Adelaide de Burgos Chapuzet Villet, casada com o médico Antonio Botelho Peralta, patriarcas do nosso ramo brasileiro da família Peralta.

Chapuzet sentou praça no Regimento de Artilharia de Marinha em 16/11/1794. Frequentou a Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho e fez o 1º e 2º anos do curso matemático da Real Academia de Marinha. Como engenheiro e arquiteto militar, foi promovido ao posto de segundo-tenente no Real Corpo de Engenheiros, em 04/12/1796. São de sua autoria as plantas de algumas fortalezas de Portugal, como o forte de São Bruno de Caxias e o forte do Guincho.

Logo no início de sua carreira como oficial do exército português combateu na campanha do Alentejo, comandando uma "sortida com duas peças" de artilharia, em 5 de junho de 1801, durante o cerco de Elvas. Foi promovido, sucessivamente, ao posto de primeiro-tenente, em 13/05/1803; a capitão, em 13/12/1808; a major, em 11/08/1812; e a tenente-coronel em 12/10/1815. Neste período, tomou parte em seis campanhas da guerra contra a ocupação napoleônica na Península Ibérica, entre 1808 e 1815, conhecida como Guerra Peninsular. Recebeu por seus méritos bélicos todas as condecorações relativas a estas importantes campanhas militares.

Como reconhecimento pelos seus sacrifícios patrióticos, até o posto de major, dom João VI concedeu-lhe em 1816 as rendas vitalícias da administração da Capela da Coroa de Portalegre. Exerceu várias funções de comando e de estado-maior, sendo promovido ao posto de coronel em 18/12/1820. Era um entusiasta dos ideais liberais que deram origem à revolução constitucionalista de 1820, tendo participado da mesma.

Foi nomeado por dom João VI governador-geral das ilhas de Cabo Verde entre 1823 e 1826. Durante este período seu sobrinho (e meu tetravô), então alferes de infantaria, Ludgero José Villet¹, era o ordenança do governador. O governo do coronel Chapuzet no arquipélago foi marcado por uma administração honesta e por obras de modernização e de urbanização da cidade da Praia, a capital. Em 1826, foi eleito deputado da Nação Portuguesa às Cortes Gerais, representando Cabo Verde. Em junho de 1828, as Cortes Gerais instauraram o governo de usurpação de dom Miguel, revogando a constituição liberal de 1826, o que deu início à guerra civil portuguesa, que duraria até 1834.

Tomando o partido da causa liberal e da legitimidade de dona Maria II (dona Maria da Glória, filha de dom Pedro I do Brasil - Pedro IV de Portugal) que fora destituída do trono e se exilou em Londres e depois no Brasil, o coronel Chapuzet deixou sua família em Lisboa e partiu para um penoso exílio na Bélgica e França, enfrentando grandes dificuldades. Em Portugal, seguiu-se um período de ferozes perseguições políticas aos partidários da rainha. Também expatriado, meu tetravô Ludgero José Villet fez companhia ao tio, do início ao fim.

Quando dom Pedro organizou a expedição militar para recuperar o trono, em 1832, Chapuzet dirigiu à regência instalada na ilha Terceira dos Açores e aos seus representantes em Londres e Paris, diversos apelos para juntar-se às tropas e lutar em terras portuguesas pela restauração. Contudo, não logrou ser atendido. Chapuzet encontrava-se em graves dificuldades financeiras, devido à longa permanência no exílio, onde contraiu dívidas e não possuía recursos próprios para voltar a Portugal e combater ao lado das tropas leais à rainha, como desejava. Nos seus apelos, pedia, também, pelo seu sobrinho Ludgero José Villet, que sempre o acompanhou no longo desterro, conforme a carta acima publicada.   

Publicação do ato de nomeação de Chapuzet como governador interino da Torre de São Julião da Barra, após retornar do exílio em 1833 (Chronica Constitucional de Lisboa, nº 135 de 31/12/1833).

A fortaleza de São Julião da Barra em gravura de meados do século XIX

Conseguiu retornar, finalmente, à Lisboa em 12 de outubro de 1833, sendo reintegrado em suas funções militares. Por portaria assinada por dom Pedro, duque de Bragança, em 21/11/1833, foi nomeado governador interino da Torre de São Julião da Barra, fortificação que já comandara antes, e neste cargo permaneceu por alguns anos. Promovido ao posto de brigadeiro graduado em 24/07/1834, continuou ocupando cargos de alto prestígio militar, tendo sido comandante da 3ª Divisão Militar. Foi reformado com honras, em 05/09/1837, com mais de quarenta anos de serviço militar. O último cargo público que exerceu foi de governador da praça-forte de Elvas, entre 1838 e 1842, do qual foi exonerado em 07/02/1842.

Era, também, escritor e poeta, com algumas obras publicadas e referidas em dicionários bibliográficos da época. Foi casado com Felícia Mariana² Chapuzet e teve uma filha chamada Maria Guilhermina. Faleceu em 6 de agosto de 1842 e foi sepultado no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa.

Os feitos do brigadeiro João da Matta Chapuzet, seus escritos e sua trajetória na vida política e militar portuguesa daqueles tempos tormentosos, revelam um homem honesto e corajoso e, mais que isso, um leal servidor da sua pátria.         

*Considerando o antigo costume católico que existia, na Península Ibérica, de dar nomes aos filhos conforme o santo do dia do nascimento, é possível que Chapuzet tenha nascido em 17 de dezembro, dia de São João da Matta, ou em data próxima no mês de dezembro de 1777.  

¹ Minhas pesquisas recentes revelaram que o pai do tetravô Ludgero José Villet (também homônimo deste), faleceu pouco antes deste nascer, em 1805. Assim, João da Matta Chapuzet criou o sobrinho, filho de sua irmã, como se fora seu próprio filho, dando-lhe orientação e apoio enquanto viveu.       

² Felícia Mariana (Villet) Chapuzet era irmã do meu tetravô Ludgero José Villet e de Mariana Gertrudes Villet (homônima da mãe que se casou no arquipélago de Cabo Verde, em 19/01/1824, com Pedro Paulo da Silveira e Castro, capitão do batalhão de caçadores e comandante da primeira companhia provisória do Exército português, em Cabo Verde). João da Matta Chapuzet desposou sua sobrinha (filha de sua irmã Mariana Gertrudes Chapuzet Villet), que ficara órfã ainda criança. Esses casamentos não eram incomuns, na época. 
A esposa do coronel Chapuzet, então governador de Cabo Verde, protagonizou um rumoroso caso de adultério com um cirurgião militar, que ficou famoso naquelas ilhas e foi mencionado no romance histórico "O Senhor das Ilhas" de Maria Isabel Baleno (Editorial Caminho S/A, Lisboa, 1994) e em outro mais recente. O cirurgião foi preso e acabou morrendo na prisão. Há alguns documentos nos arquivos históricos portugueses que se referem ao caso. Chamam a atenção, em documentos da época, as manifestações do bispo de Cabo Verde, dom Jerônimo Barco da Soledade, que insistia com veemência na reconciliação do casal Chapuzet.  

Republicado em razão de novas pesquisas.
    

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Maria José Ribeiro e João dos Santos Biscaia

Assento do batismo de João dos Santos Biscaia, realizado em 04/06/1843, aos dois meses de idade, na matriz de Nossa Senhora da Luz de Curitiba (*).
Assento do casamento de João dos Santos Biscaia e Maria José Ribeiro, na Matriz de Curitiba, em 15/09/1866, celebrado pelo vigário, o conhecido padre Agostinho Machado Lima. O casal tinha relação de parentesco consanguíneo em terceiro grau colateral.  

Almanak da Província do Paraná - 1878


O Dezenove de Dezembro - Nov/1872 
 

Os trisavós João dos Santos Biscaia e Maria José Ribeiro, em fotografia¹ de meados do século XIX. Ambos eram naturais de Curitiba, sendo que a família de Maria José descendia de Mateus Leme e Baltazar Carrasco dos Reis, fundadores da vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, no fim do século XVII. Ele era filho do capitão Manoel Rodrigues Biscaia e de Maria Francisca dos Santos, residentes no distrito do Capão Raso; e ela, filha de João Ribeiro Baptista e de Rosa Maria de Jesus, todos naturais de Curitiba.
Fotografia da área central de Curitiba (c.1870). Ao fundo destaca-se a Matriz.
                            
A capital da província, em fins do terceiro quartel do século XIX, segundo o Almanak da Província do Paraná, contava com perto de 3.000 habitantes no seu núcleo urbano e com 12.651 em todo o município, conforme o censo de 1872. A comarca de Curitiba (que em 1870 abrangia os territórios de outros municípios, além da capital) reunia "24.664 almas". O aumento populacional já refletia os primórdios da colonização italiana na região.

João dos Santos Biscaia era comerciante e proprietário na capital e ocupou a patente de capitão da Guarda Nacional. Teve participação ativa na vida social e política da cidade. Era um dos próceres do partido Liberal e exerceu o cargo de vereador e de fiscal da Câmara Municipal de Curitiba², a qual, nos tempos do Segundo Império, além das funções legislativas, desempenhava aquelas que atualmente competem às prefeituras municipais. Disputou, ainda, uma cadeira na assembleia provincial. Foi, também, irmão mesário³ da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.

Lápide de João dos Santos Biscaia no jazigo da família Biscaia, no cemitério municipal de Curitiba, onde consta o nascimento em 06/03/1842 (*).

O trisavô João nasceu em 1843 (conforme o assento de batismo) e faleceu em 1891. A trisavó Maria José nasceu em 1846 e faleceu em 1921. Casaram-se em 15/09/1866, em cerimônia oficiada pelo vigário da Matriz, o padre Agostinho Machado Lima. 

Tiveram vários filhos, entre eles meu bisavô, João dos Santos Biscaia, homônimo do pai, nascido em 1881, que se casou com a bisavó Josefina (Finita) Chalbaud Biscaia. Minha bisavó Finita conviveu muitos anos com sua sogra, a trisavó Maricota como era conhecida, e contava as suas histórias para os seus filhos e netos.          

Francisco Negrão, em sua conhecida obra "Genealogia Paranaense", edição de 1950 da Impressora Paranaense, volume 1, pág. 573, afirma que João dos Santos Biscaia nasceu em 06/03/1842. No mesmo volume, à página 569, escreve que ele nasceu em 04/06/1843. O assento do batismo (único registro oficial com fé pública na época) certifica que ele foi batizado pelo vigário da Matriz, o padre Antonio Teixeira Camello, no dia 04/06/1843, com dois meses de idade, o que permite concluir que seu nascimento ocorreu no início de abril de 1843.     
¹ A fotografia dos trisavós João e Maria José foi obtida pelo meu primo, o advogado e pesquisador Arthur Virmond de Lacerda Neto (neto materno de Antonio Chalbaud Biscaia), em suas pesquisas genealógicas familiares.
² Menos de um século depois, seus netos Antonio Chalbaud Biscaia e Evaristo Chalbaud Biscaia seriam, respectivamente, deputado federal pelo Paraná e vereador em Curitiba. (Vide Os Irmãos Chalbaud Biscaia).    
³  Os irmãos mesários eram membros de um órgão de natureza deliberativa na estrutura administrativa das Irmandades das Santas Casas de Misericórdia, eleitos pelos membros da irmandade.     



sábado, 2 de dezembro de 2023

A Família Peralta em Curitiba

Meu pai, Carlos Henrique Peralta, à direita, e os irmãos, na casa da praça do Japão.

Minha avó Dyrce Peralta, na casa da rua Acyr Guimarães, em frente à futura praça do Japão, em fins dos anos 1940. Sobre o muro está meu tio, Cláudio Victor Peralta, nascido em Curitiba.
Meu pai, Carlos Henrique Peralta, em pé, na entrada do Colégio Belmiro César, em Curitiba, em fins da década de 1940. Sentado à esquerda, seu colega José Joaquim, que foi conhecido engenheiro e construtor nesta cidade.  
Arthur Carlos Peralta e sua família tinham por Curitiba e pelo Paraná uma relação de amor à primeira vista. Ele esteve pela primeira vez na capital paranaense em fins de 1937, como primeiro-tenente aviador, para servir no 5º Regimento de Aviação, no bairro do Bacacheri. Nesta época, hospedavam-se numa pensão familiar, onde ficavam os oficiais servindo em Curitiba, localizada bem no centro da cidade e que, segundo minha avó Dyrce, pertencia uma senhora de origem francesa¹. Na ocasião, o destacamento aéreo do Bacacheri ainda não tinha acomodação para seus oficiais. 

Aviador já experimentado, sua principal missão, naquela época, foi pilotar aviões que participariam de programa de levantamento aerofotogramétrico para o Departamento Nacional de Terras e o Ministério da Guerra a fim de determinar e plotar as locações mais adequadas para a construção de aeródromos pioneiros no Paraná e em Santa Catarina, para apoiar a ocupação destes territórios e ampliar a abrangência do Correio Aéreo. O interior desses estados sulinos ainda era coberto por extensas florestas nativas e, na maior parte, inabitado e inóspito. Com isso, foi ele quem determinou onde seriam os aeroportos pioneiros de Jacarezinho, Londrina, Foz do Iguaçu, no Paraná; Lages, em Santa Catarina, entre outros. Neste período, realizava ainda, todas as rotas do Correio Aéreo Militar (CAM), depois Correio Aéreo Nacional, que partiam de Curitiba.


Fotos aéreas da inauguração do campo de aviação de Jacarezinho (PR) - 28/03/1938


Sobrevoando as Cataratas do Iguaçu - início dos anos 1940 - 

No filme de propaganda da CEF, abaixo, cenas de Curitiba em meados da década de 1930, época em que a família Peralta conheceu a capital do Paraná.  

Com seu estilo bem-humorado, expansivo e desinibido, típico dos cariocas, marcou sua presença na gelada capital do Paraná. Numa Curitiba pequena e provinciana, no fim dos anos 1930, meu avô comparecia ao tradicional cafézinho dominical da rua Quinze, em mangas curtas de camisa, bermudas e chinelos, para espanto e admiração dos curitibanos antigos que usavam terno escuro e chapéu, mesmo em pleno verão. Graças ao seu temperamento e liderança, desenvolveu nesta cidade um enorme relacionamento social e amizades próximas e duradouras com pessoas saudosas como Azis Surugi, José Muggiati Sobrinho, Carlos  Orlando Loyola, Eduardo Karam, Jovelino Cerqueira Leite, Carlos Mocellin, entre muitos outros.

Notícia da página de esportes do jornal O Dia de 14/08/1946
Meu avô era um esportista laureado, tendo sido campeão de basquete e atleta multipremiado do Tijuca Tênis Clube, do Rio de Janeiro, em diversas modalidades, do qual recebeu o título benemérito de Atleta Número 1. Este tradicional clube carioca instituiu, em junho de 1956, o Troféu Peralta, em sua homenagem, o qual era concedido aos atletas que mais se destacavam em dedicação, disciplina e eficiência, em cada atividade desportiva. Sendo grande entusiasta do basquete, foi convidado para integrar o time desta modalidade, que existia no Coritiba FootBall Club, que tornou-se o seu clube de futebol preferido na cidade. Jogou, também, pelo Ícaro Atlético Clube, do qual foi presidente de honra.

O casal Peralta e seus amigos em Curitiba: nesta foto, com Idalina e Jovelino Cerqueira Leite. No centro da foto ao alto e, na foto do meio à esquerda, está José Muggiati Sobrinho.    
Sempre que surgia a oportunidade, voltava a servir em Curitiba. Por diversas outras vezes foi comandante da unidade aeronáutica do Bacacheri, a velha base aérea, em suas diferentes etapas, desde o 5º R.Av. à EOEIG, em quase todos os postos, de major a brigadeiro. Pretendia morar em Curitiba, após sua aposentadoria e chegou a construir uma casa, que ele mesmo planejou e desenhou, na rua vereador Garcia Rodrigues Velho, no bairro do Cabral que ainda existe, já desfigurada do seu aspecto original. Um de seus filhos, Cláudio Victor, nasceu em Curitiba, na conhecida Maternidade Victor do Amaral. Outros dois, casaram com filhas da terra curitibana. Minha mãe, Maria do Rocio Biscaia, curitibana, conheceu meu pai, Carlos Henrique Peralta, em Guaratuba (PR), na casa de José Muggiati Sobrinho, amigo comum dos meus avós.

A família Peralta morou em diversos lugares da cidade: na atual rua Acyr Guimarães, na esquina com o que hoje é a praça do Japão; na alameda Augusto Stellfeld; na rua Capitão Souza Franco, esquina com Carlos de Carvalho; e na avenida Munhoz da Rocha. Meu pai e meus tios estudavam no famoso Colégio Belmiro César, que educou gerações curitibanas. Muitos netos e bisnetos do casal Peralta nasceram e vivem em Curitiba, atualmente. Mesmo depois da morte de meu avô, minha avó Dyrce Peralta voltou a residir em Curitiba por algumas vezes. Comprou um apartamento e dividiu-se entre Niterói, no inverno, e Curitiba, no verão. 

Amigos curitibanos reunidos na casa que meu avô construiu, nos primeiros anos da década de 1950, na rua vereador Garcia Rodrigues Velho, no bairro do Cabral, na capital do Paraná. Nesta foto, Azis e Aracy Vianna Surugi. 

 Convite da missa de sétimo dia do falecimento de meu avô, mandada celebrar por alguns de seus muitos amigos curitibanos  
O desejo de terminar seus dias em Curitiba acabou por se concretizar, embora, muito prematuramente. Faleceu nesta cidade, em outubro de 1966, quando comandava a Escola de Oficiais Especialistas e de Infantaria de Guarda (EOEIG) e presidia o Círculo Militar do Paraná, numa festa em sua homenagem, organizada pelos bolicheiros do clube. Preparava-se, na ocasião, em atender ao convite para ocupar o cargo de ministro da Aeronáutica, formulado poucos dias antes pelo general Arthur da Costa e Silva, que acabara de ser oficialmente designado presidente da República, pelo colégio eleitoral da época. Foi promovido, postumamente, ao posto de Marechal-do-Ar e encontra-se sepultado na cripta do Monumento aos Aviadores, dedicado à perpetuar a lembrança dos pioneiros da aviação brasileira, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.

Após a sua morte, o prefeito Ivo Arzua Pereira, denominou uma das ruas do bairro Boa Vista em sua memória, em linha com uma das cabeceiras da pista da base do Bacacheri. Em São Paulo, o prefeito Faria Lima fez o mesmo, com uma rua do bairro Casa Verde; e, em São José dos Pinhais (PR), o prefeito Francisco Ferreira Claudino, homenageou-o com uma importante via central da cidade. O conhecido Palácio de Cristal, ginásio de esportes do Círculo Militar do Paraná, planejado em sua gestão à frente do clube, chama-se ginásio brigadeiro Arthur Carlos Peralta. Em 1967, a Assembleia Legislativa do Paraná concedeu-lhe o título post mortem de cidadão honorário deste estado.          

¹ Minha avó Dyrce Peralta referia-se à esta pensão com a pronúncia Demarré e a uma certa madame Demarré, que seria sua proprietária. Não estou certo sobre a grafia correta deste sobrenome, mas, havia em Curitiba e arredores famílias com sobrenomes Desmarais e Demarest, que se pronunciam de modo parecido em francês. Nunca encontrei maiores informações sobre esta pensão que se situava, segundo minha avó, em fins dos anos 1930, na atual rua Marechal Deodoro esquina com a rua João Negrão, no centro de Curitiba. Sabe-se que, comprovadamente, neste local funcionou uma conhecida pensão chamada Nossa Senhora Aparecida, mas desconheço que eram seus proprietários. Também existiu uma pensão familiar na esquina da rua Conselheiro Laurindo com a rua XV de Novembro, no exato local onde hoje se ergue o conhecido edifício Marumbi.       

Post publicado em junho/2011 e republicado.

domingo, 8 de outubro de 2023

Guaratuba: A Família Soffiatti e Guido Viaro


A família de Guerino Soffiatti e amigos em Guaratuba, no litoral do Paraná, no inverno de 1941. Nesta foto, pertencente ao meu acervo, do lado esquerdo, de óculos, está meu bisavô Guerino Soffiatti. Ao seu lado, a tia-avó Diva Bührer Soffiatti, minha avó Olga Soffiatti Biscaia, minha bisavó Rosinha Klüppel Soffiatti e a tia-avó Helena Carolina Soffiatti. No colo de minha bisavó, está minha mãe, Maria do Rocio Soffiatti Biscaia. Atrás, de chapéu, o conhecido pintor Guido Viaro, amigo da família que passava temporadas hospedado na casa de Rosinha e Guerino, em Guaratuba, com seus familiares. 

Nesta foto, Guido Viaro aparece ao fundo à esquerda, sentado em frente ao seu cavalete, pintando uma tela embaixo de um guarda-sol, em Guaratuba, em fins dos anos 1930. Em primeiro plano estão meus bisavós Guerino e Rosinha Soffiatti. Logo atrás à direita, meus avós Olguinha e Mário Biscaia, entre outros familiares. (Foto do acervo do tio avô Amanzor Soffiatti e cedida pela prima Tânia Soffiatti).

Ao longo dessas temporadas em Guaratuba, Guido Viaro passava o tempo pintando paisagens locais, sendo que algumas dessas obras foram presenteadas à nossa família e se encontram em nosso acervo, até os dias atuais. Uma delas, datada de 1946, retrata minha mãe, ainda criança, sentada num banco ao lado de uma vizinha, em frente à casa dos meus bisavós, tendo por pano de fundo a belíssima baía de Guaratuba. Outra retrata o plano geral da baía de Guaratuba, visto da casa de meus bisavós, contendo o antigo trapiche e ao fundo a ilha do Rato e o morro do outro lado da baía, onde anos mais tarde seria construído o porto de passagem para a travessia Caiobá-Guaratuba por meio do ferry-boat.

Naquele tempo, a temporada de praia acontecia durante o inverno e era uma oportunidade para fugir do rigoroso frio curitibano. No verão, a "maleita" infestava nosso litoral e só foi erradicada após a segunda guerra mundial, com o despejo aéreo de enormes quantidades de inseticidas altamente tóxicos que afetaram a saúde de centenas de habitantes da região. Depois da erradicação dos focos desses insetos, as temporadas de veraneio no litoral começaram a atrair um número crescente de pessoas. Hoje milhões de veranistas lotam a orla litorânea do Paraná, todos os anos.

Guerino Soffiatti era frequentador de Guaratuba desde meados da década de 1920. Inicialmente, hospedava-se com sua família na antiquíssima Pensão Antonieta, após uma longa e atribulada viagem de trem à Paranaguá e de "diligência" até a prainha de Caiobá, onde embarcavam em canoas - pertencentes a um alemão de sobrenome Krüger - rumo à Guaratuba. Para avisar os canoeiros atracados em Guaratuba, da chegada dos viajantes que desejavam fazer a travessia, soltavam rojões na prainha de Caiobá.

Na foto, o ônibus tipo jardineira, da empresa Pássaro Azul, que ligava Paranaguá a Matinhos pela "estrada da Praia de Leste", entre os anos 1930/40. Como se observa nesta foto, ao longo do trecho entre  Praia de Leste e Matinhos, o ônibus rodava pela faixa de areia dura da praia, à beira mar, após a vazante da maré. Aqui, a jardineira aparece encalhada na areia da praia.

Os Soffiatti adquiriram a sua casa por volta de 1930, diante da baía de Guaratuba e partir disso, viajavam regularmente ao balneário. A casa era enorme, com dois pavimentos, e estava sempre cheia de convidados, parentes e visitantes. Segundo minha avó, a cozinha funcionava sem parar, o dia inteiro, para atender aos comensais. Essa casa ainda existe e pertence à família Soffiatti.

Além de amigos, meu bisavô Guerino Soffiatti Guido Viaro, eram ambos italianos da região do Vêneto: Guerino nasceu na província de Verona e Viaro na província de Rovigo. Outra curiosidade sobre aqueles tempos, é que meu bisavô jamais abjurou sua cidadania italiana e nunca se naturalizou brasileiro. Por isso, após a declaração de guerra do Brasil aos países do Eixo em agosto de 1942, ele precisava pedir autorização às autoridades policiais e obter um "salvo-conduto" para deslocar-se ao litoral, considerado área de segurança nacional em tempos de guerra. Conservando a cidadania italiana, transmitiu-a aos seus descendentes.    

(Clicar nas fotos para ampliar).      
      

Publicada em setembro/2010. Atualizada em outubro/2023.

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Os Anos 1940/1950: As Décadas Douradas em Curitiba



Vídeo sobre Curitiba - 1949


Edifício do Clube Curitibano 


Anuncio de vendas do edifício João Alfredo em 27/08/1944 no jornal Gazeta do Povo (*)

Edifício João Alfredo em construção, em foto de1948


Publicação no DOU da nomeação do major aviador Arthur Carlos Peralta, como comandante da base aérea de Curitiba, em junho de 1946.

Nota do Diário do Paraná sobre a nomeação do major aviador Arthur Carlos Peralta comandante da base aérea de Curitiba, em junho de 1946.

Notícia na página de esportes do jornal O Dia, de 14/08/1946 
Notícia do jornal carioca "A Noite", de 20/12/1948, sobre a visita do presidente Dutra à capital do Paraná.

No pátio de aeronaves do aeroporto Afonso Pena, autoridades aguardam o pouso do avião que trazia o presidente Café Filho para a inauguração do Palácio Iguaçu, em 19/12/1954. Meu avô, então tenente-coronel aviador, aparece com o braço erguido. No mesmo grupo está o governador Bento Munhoz da Rocha Netto, de chapéu. No centro da foto, o general Sady Folch e o prefeito Ney Braga que conversa com o então ministro da saúde, Aramis Athayde. Mais à esquerda, o arcebispo de Curitiba, dom Manuel da Silveira Delboux e oficiais da Casa Militar do governo do Paraná. (clique na foto para ampliar).   

O Palácio Iguaçu na noite de sua inauguração, em 19/12/1954. 
"Diário do Paraná" - 12/06/1955

Noticia do Paraná Esportivo, de 18/03/1957, comentando a partida de Curitiba do  recém-promovido coronel aviador Arthur Carlos Peralta, após um longo período de convívio na capital do Paraná. Ele voltaria a Curitiba, em 1965 para, outra vez, comandar a EOEIG, já como oficial-general da Força Aérea Brasileira.

CLICAR NAS FOTOS PARA AMPLIAR

A Curitiba dos anos 1940 e 1950 foi emblemática para quem nela viveu. As histórias de família falam desta época com saudade e um orgulho nostálgico. A capital do Paraná, pouco a pouco, deixava para trás o pequeno e provinciano vilarejo das primeiras décadas do século XX e ia revelando a importância crescente da economia cafeeira para o estado, que trouxe o desenvolvimento e a modernização em sua face urbana e modificou os costumes e hábitos dos curitibanos.

A partir da segunda metade da década de 1940 surgiram os primeiros “arranha-céus” rivalizando com os prédios mais modestos construídos nas décadas anteriores, como o edifício Moreira Garcez. Dentre estas construções mais altas, que se destacavam na silhueta ainda horizontal da cidade, estavam o edifício Marumby, situado na praça Santos Andrade; o magnífico edifício do Clube Curitibano, na rua Barão do Rio Branco, luxuoso e impressionante para a época; o edifício Santa Julia, na praça Osório; e o edifício João Alfredo, na praça Zacarias. Este último, foi construído por incorporação do tio-avô Evaristo Chalbaud Biscaia, que era vereador na capital; e de seu cunhado, Joffre Cabral e Silva, um visionário empreendedor curitibano, que presidiu o Clube Curitibano e o Clube Atlético Paranaense e, mais tarde, fundaria o Santa Mônica Clube de Campo, na década de 1960. O edifício João Alfredo foi erguido sobre o terreno ao que pertencia ao pai de Joffre, o conhecido médico João Alfredo Silva, que também presidiu nosso glorioso Furacão e foi o principal incorporador da obra.

O governo de Bento Munhoz da Rocha Netto (1951/1955) lançou as bases da histórica transformação social, cultural e política do Paraná e sua capital, nesta Era Dourada. O símbolo desta fase de pujança econômica e desenvolvimento foi a realização do projeto do Centro Cívico, que reuniria o conjunto de todas as edificações dos três poderes estaduais numa grande área da capital, que começou a ser construído no início dos anos 1950. Bem assim, o fabuloso Teatro Guaíra, situado no centro da cidade, que só foi concluído em 1974 e seria por muito tempo o maior do Brasil. 

Em 1953, comemorou-se o centenário da emancipação política do Paraná com uma grande Exposição Mundial do Café, em Curitiba. O belo e moderno Palácio Iguaçu, sede do governo estadual, foi inaugurado em 19/12/1954. O edifício da Biblioteca Pública do Paraná, também foi aberto ao público neste ano, juntamente com vários outros prédios públicos estaduais, todos com projetos arquitetônicos modernistas. As obras de alguns edifícios públicos sofreram atrasos em sua conclusão, em razão das consequências econômicas da terrível geada que se abateu sobre os cafezais do Paraná, em 1955, que se refletiu na vertiginosa queda de arrecadação do estado, totalmente dependente da cultura do café.

Entre as décadas de 1940 e 1950, meus avós Dyrce Arthur Carlos Peralta e seus filhos, residiram por um longo período em Curitiba. A partir de 1946, foi comandante da base aérea do Bacacheri  e do 12º Grupo de Aviação e, depois, subcomandante e comandante interino da Escola de Oficiais Especialistas e de Infantaria de Guarda (EOEIG), criada no início da década de 50. Em 1948, nasceu em Curitiba, o filho caçula do casal Peralta, Cláudio Victor, o único curitibano entre eles. Durante este tempo de convívio na capital do estado fez inúmeras amizades e criou um profundo amor pela cidade, que cultivaria pelo resto de sua vida. Por isso mesmo, nesta época, meu avô construiu uma casa situada na rua vereador Garcia Rodrigues Velho, no bairro do Cabral, onde pretendia morar quando encerrasse sua carreira militar. 

Foi, também, em meados da década de 1950 que minha mãe, Maria do Rocio Soffiatti Biscaia e, meu pai, Carlos Henrique Peralta se conheceram, em Guaratuba, no litoral do Paraná, na casa de José Muggiati Sobrinho, amigo comum dos meus avós paternos e dos meus avós maternos, Olga Mario Chalbaud Biscaia, cujas famílias eram originárias de Curitiba.

Uma curiosidade sobre esses tempos foi que meu avô Peralta, então tenente-coronel aviador, trouxe do Rio de Janeiro, no início dos anos 1950, um grupo de instrumentistas criteriosamente escolhidos para organizar a banda de música da EOEIG, um projeto que acalentava com muito entusiasmo. Isso só foi possível após inúmeras e insistentes gestões que fez junto ao Ministério da Aeronáutica para obter a dotação orçamentária para a realização do projeto. A banda da EOEIG ficaria famosa pela excelência da qualidade das suas apresentações em solenidades públicas, festividades e eventos sociais. Seus músicos, de notável talento, vieram a influenciar decisivamente o ambiente artístico e musical da próspera capital do Paraná, cuja vida noturna desabrochava, tocando em algumas das mais festejadas boates, os primeiros night clubs de Curitiba. Entre esses músicos estava Raul de Souza, que depois se tornaria um artista muito aplaudido, através de uma carreira de sucesso internacional.

O vídeo ao alto, mostra alguns aspectos da vida da cidade, entre os anos 1940/1950, ainda tranquila, já exibindo os sinais do desenvolvimento que iria transformá-la completamente ao longo das décadas seguintes. A Curitiba daqueles tempos tinha em torno de 6.400 veículos registrados, incluindo automóveis, caminhões, ônibus e motocicletas. Uma cidade muito diferente daquela onde hoje vivemos em que já não há tempo para admirar seus encantos, aprisionados em intermináveis engarrafamentos, com quase um automóvel para cada habitante.     


(*) O edifício João Alfredo teve sua construção iniciada em 1944, quando estava em vigor o Decreto Federal n° 4.098/1942 que exigia que os edifícios acima de cinco pavimentos tivessem abrigos antiaéreos (art. 3°, inciso I), como está estampado no anúncio acima. Em 1944, a Segunda Guerra Mundial estava ainda em pleno curso).
                      
Post republicado e atualizado. 

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Os Clubes de Curitiba

Convite para os bailes de carnaval do Clube Curitibano - 1908

Convite para o baile de 28° aniversário do Clube Curitibano, em 06/01/1910.
Notícia do baile de aniversário de 25 anos do Deutscher Sängerbund, no Diário da Tarde, em 12/06/1909. O texto cita o trisavô Nicolau Klüppel como sendo um dos três sócios honorários do clube, que possuía naquela data 404 associados. Durante a guerra adotou um dos seus antigos nomes, voltando a chamar-se Clube Concórdia. O Concórdia conserva sua bela sede original, construída em 1886, e algumas festividades de tradições germânicas, como a festa da cerveja em outubro. A fachada ainda ostenta o nome Deutscher Sängerbund. Em 2012 foi incorporado ao Clube Curitibano.


Foto de João Batista Klüppel e sua esposa (jornal Gazeta do Povo - 04/04/1979). João Batista era irmão do trisavô Nicolau Klüppel e foi fundador e primeiro presidente da Sociedade Thalia, em 1882. 



Ata de assembleia geral da Sociedade Italiana Giuseppe Garibaldi, de 15/12/1901, publicada no Diário da Tarde, convocada para discutir providências quanto "a discórdia que reina em seu seio" devido a uma minoria de sócios que causavam dificuldades ao convívio social harmônico, na ocasião. Entre as muitas curiosidades da ata, está a justificativa pela qual esta deveria ser escrita em "língua portugueza", em razão da necessidade de ser apresentada às autoridades. Estavam presentes como sócios e assinaram a ata: meu bisavô Guerino Soffiatti, seu tio Ângelo Soffiatti e seu irmão Victorio Soffiatti. Entre os signatários é possível reconhecer inúmeros e conhecidos sobrenomes de famílias curitibanas, descendentes de italianos. 

A composição da diretoria responsável pela reorganização Sociedade Dante Alighieri, em 1935, tradicional e importante centro de cultura italiana no Paraná. Meu bisavô Guerino Soffiatti fez parte da mesma como tesoureiro (jornal O Dia de 17/03/1935)


Composição da diretoria do Circolo Italiano, eleita em agosto de 1934, na qual meu bisavô Guerino Soffiatti era vice-presidente (jornal Correio do Paraná de 11/08/1934). 


Talvez pelo clima, talvez pelos costumes advindos da colonização europeia ou, quem sabe, pelo simples prazer do bom convívio social, Curitiba sempre foi uma cidade com um grande número de clubes, associações recreativas, esportivas e culturais. Havia, no passado, vários clubes que reuniam etnias europeias: os italianos (Sociedade Garibaldi, Sociedade Água Verde, Sociedade Dante Alighieri, Circolo Italiano e outras), os alemães (Clube Concórdia, Sociedade Thalia, Sociedade Rio Branco, Sociedade Duque de Caxias, entre outras), poloneses (Sociedade União Juventus), ucranianos (Sociedade Ucraniana do Brasil) e de outras origens. 

As associações de imigrantes alemães foram as primeiras e as mais numerosas, devido a forte tradição germânica de clubes culturais e esportivos, como os de canto lírico e os de caça e tiro. Os clubes que tinham nomes germânicos foram obrigados a mudá-los, durante a ditadura do Estado Novo, para nomes brasileiros, muitos homenageando personagens históricos e heróis nacionais. Havia, também, associações de socorro financeiro, as mútuas, especialmente italianas (Sociedade Vittorio Emmanuele III), alemãs e polonesas.

Na maior parte, as associações foram estabelecidos na segunda metade do século XIX pelas primeiras gerações de imigrantes para manter as tradições da terra natal, promover a confraternização entre conterrâneos e conservar a memória cultural para as gerações futuras. Muitas continuam existindo, mas, perderam sua identidade original com a natural integração dos descendentes à comunidade nacional e o distanciamento das raízes estrangeiras. Algumas ainda mantêm grupos folclóricos e as festividades mais tradicionais dos seus países de origem.

Meus trisavós e meu bisavô italianos, Soffiatti, frequentavam a Sociedade Garibaldi, a maior e mais antiga associação de italianos em Curitiba, fundada em 1883, a qual conserva sua belíssima sede original, conhecido como Palácio Garibaldi, cuja construção terminou em 1904 e situa-se na praça de mesmo nome. Meu bisavô Guerino Soffiatti, também, participou ativamente das atividades da Sociedade Dante Alighieri e do Circolo Italiano, inclusive da reorganização e da diretoria de ambas as instituições, tradicionais centros de difusão da cultura italiana no Paraná. A Sociedade Garibaldi e a Dante Alighieri continuam em plena atividade nos dias atuais. 

Os trisavós alemães Klüppel, eram sócios honorários do Clube Concórdia, que antes chamou-se Gesangverein Germania e, depois, Verein Deutscher Sängerbund. Segundo contam as histórias de família, João Baptista Klüppel, irmão do trisavô Nicolau Klüppel, liderou um grupo dissidente que fundou a Sociedade Thalia, em 1882, em razão de desentendimentos internos no Clube Concórdia, fato corriqueiro no seio dos clubes teutônicos. O Clube Concórdia foi incorporado ao Clube Curitibano em 2012, mantendo seus principais eventos folclóricos, especialmente a famosa Festa da Cerveja, e conservando seu elegante prédio histórico, que se chama Sede Concórdia.

Meus bisavós com origem ancestral em Curitiba, descendentes dos fundadores da cidade, como João dos Santos Biscaia, frequentavam o Clube Curitibano, criado em 1881 por algumas das famílias mais antigas da capital do Paraná. O bisavô Biscaia participava ativamente das comissões de organização dos eventos sociais da agremiação, como mostram os convites para os bailes do clube, já na primeira década do século XX. Na minha família, a tradição de presença nos bailes de aniversário do Clube Curitibano (uma das festas black tie mais bonitas e elegantes do Brasil) permanece até os dias de hoje, infalivelmente, geração após outra, há mais de cem anos.

A tradição familiar de gosto pelo convívio associativo foi transmitida aos seus filhos, netos e bisnetos. Meu avô, Mário Chalbaud Biscaia, era grande entusiasta do associativismo e foi sócio de vários clubes em Curitiba, como o Clube Curitibano, o Graciosa Country Club, a Sociedade Thalia e o Clube Atlético Paranaense. Mesmo no litoral do Paraná, para onde iam muitas famílias curitibanas no verão, a necessidade de manter esses costumes e as atividades sociais durante as temporadas de praia, animaram um grupo de amigos curitibanos, entre os quais o meu avô, a fundar o Iate Clube de Guaratuba, em 1949, um dos primeiros clubes náuticos do Paraná. 

Publicado em 14/11/2017. Atualizado em 05/05/2023.