terça-feira, 19 de julho de 2022

A Neve Branca e a Geada Negra - 1975

A praça Santos Andrade coberta de neve, em 1975. Ao fundo, o prédio da Universidade Federal do Paraná, minha alma mater.
Fotografia que pertencia à minha avó Olga Biscaia e mostra a neve nos arredores de Curitiba, em 1928.
Dia 18/07: o jornal mostra a alegria dos curitibanos no dia da neve
Dia 19/07: As manchetes sobre a terrível geada negra no norte do Paraná

Não há um só mês de julho, desde aquele longínquo 17 de julho de 1975, em que eu não ouça comentários sobre se este ano vai ou não nevar. Basta o céu de chumbo curitibano, a garoa fina e os ventos gelados para que a esperança reacenda. Naquele dia, em plenas férias escolares e ainda dormindo debaixo dos cobertores, numa manhã gélida do inverno curitibano, ouvi minha avó, Olga Soffiatti Biscaia, gritar que estava nevando, chamando para que acordássemos e fôssemos ver o raro fenômeno que acontecia novamente, depois de quase meio século.

Minha avó, ela mesma havia testemunhado a última vez que nevou na cidade, em 31 de julho de 1928, quando tinha aproximadamente a mesma idade que eu tinha quando nevou outra vez. A grama do jardim da casa da rua Lamenha Lins, 203 ficou coberta com uma fina camada branca, que a mim pareceu coco ralado espalhado por cima de um bolo verde.

A neve sobre a grama do jardim da casa dos meus tios avós Odette Castellano Biscaia e Antonio Chalbaud Biscaia, na rua Lamenha Lins, 213. Ao fundo aparece a marquise da casa dos meus avós, vizinhos de muro.   
Toda a piazada da vizinhança estava na rua e as pessoas admiradas e hipnotizadas pela surpresa e pela novidade, meio boquiabertos, tiravam fotos a torto e a direito. Com meus amigos, montados em nossas bicicletas, corremos pelas redondezas, pelas praças e ainda mais longe, onde a neve acumulada nos gramados era mais duradoura que aquela que caia sobre as calçadas e o asfalto das ruas.

As pessoas tentavam fazer pequenos bonecos com a escassa neve que caiu por algum tempo, sem muito sucesso, porque as camadas não eram grossas, nem espessas, como nos filmes americanos de Natal. O encantamento das crianças e a alegria dos adultos durou pouco, mas, marcou definitivamente a minha memória e a de todos que vivenciaram aquela raríssima experiência nestes trópicos.

Se, no leste do estado, o inverno de 1975 deixou boas lembranças e saudades para os curitibanos, ele foi trágico para os habitantes do norte do Paraná. No dia seguinte ao da neve em Curitiba, com a temperatura abaixo de zero durante a madrugada, após um período de chuvas contínuas, a famigerada geada negra matou todos os cafeeiros da região norte, especialmente em Londrina - a "capital do café"-, e levou à ruína muitos plantadores, com consequências devastadoras para a economia paranaense, que era totalmente dependente da lavoura do café. 

Havia chegado ao fim o dourado ciclo do café paranaense, após quase cinco décadas de geração de riquezas e desenvolvimento, que lançaram as bases para o futuro do Paraná. A rubiácea jamais recuperaria a importância que teve para a vida econômica e social do estado, que chegou a ser o maior produtor mundial.                  

P.S.: Finalmente, após 38 anos, nevou novamente em Curitiba, no dia 24/07/2013, por pouquíssimo tempo. Mas, nem de longe se comparou à neve de 1975 ou 1928. 


Republicado em 19/07/2022.