quarta-feira, 7 de abril de 2021

O Dr. Antonio Botelho Peralta e As Fake News em 1881

 


Em minhas incansáveis - e sempre surpreendentes - pesquisas familiares encontrei um fato interessante sobre o trisavô Antonio Botelho Peralta e a trisavó Maria Adelaide de Burgos Chapuzet Villet, envolvendo uma fake news da época, a qual motivou um esclarecimento público, estampado nas páginas do jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, edição do dia 15 de julho de 1881, há 140 anos passados.

A leitura deste corajoso desmentido, redigido num português escorreito e culto, que denota o grau de instrução e de cultura do trisavô Peralta (que era médico cirurgião formado na Escola Médico-Cirúrgica do Porto), revela que na ocasião o casal Peralta era alvo de uma fofoca, uma calúnia assacada por alguns personagens da região de Paty de Alferes, onde o casal residia. 

No primeiro parágrafo, desde logo, justifica os motivos da indignada manifestação: "Venho hoje a público sacudir os últimos salpicos de lama, que, do lodaçal onde se rebalsam, me foram arremessados por uma meia duzia de honrados cavalheiros, cujos nomes ignoro, e que o público, provavelmente conhece melhor do que eu." (grifei)

Ao longo do texto, ficamos sabendo que havia rumores naquela região de que o Dr. Peralta e sua mulher, Maria Adelaide, não seriam casados conforme os ritos da Santa Madre Igreja que, até o advento da República, era a única instituição legalmente incumbida de oficiar os matrimônios válidos. A certa altura, o Dr. Peralta expõe com clareza a questão: "O publico patyense lembra-se de se lhe haver dito por ahi que eu não era casado?..." (grifei) Esta inverídica situação violaria os preceitos religiosos, sendo altamente reprovável pelos costumes vigentes na sociedade do século XIX. 

Mais além, esclarece que estas mentiras haviam sido publicadas no próprio jornal, primeiro "acanhadamente" e, depois, com "desembaraço", mas, sempre anônimas. O libelo prossegue com um estilo marcante e aguerrido de quem nutre uma justa indignação contra as pessoas que, covardemente, semearam esses boatos, os quais provará totalmente falsos e mentirosos, ou seja, uma fake news da época.  

Como prova cabal da verdade, apresenta uma certidão expedida no dia 18/12/1880, por Antonio Maria Correa de Bastos Pina, prior da freguesia de São Martinho de Cedofeita, da diocese da cidade do Porto, que transcreve a íntegra do assento do casamento de Antonio Botelho Peralta e Maria Adelaide de Burgos Chapuzet Villet. A certidão tem os selos e reconhecimentos de firmas exigíveis e foi devidamente chancelada pela autoridade consular brasileira na cidade do Porto, o cônsul Manuel José Rabello. 

Observo que a montagem tipográfica do texto deve ter invertido os últimos dois algarismos do ano do casamento, que constou incorretamente no jornal como sendo 1865, quando o ano correto é 1856. A íntegra da transcrição da certidão foi omitida na foto do jornal, porque ocuparia espaço desproporcional neste post. A publicação da nota e da certidão, coincidiu, talvez propositadamente, com as "Bodas de Prata" do casal Peralta, completadas naquele julho de 1881.

Para melhor assegurar a veracidade do documento cuja transcrição mandou publicar, o Dr. Peralta deixou cópias autenticadas com o vigário da freguesia de Paty do Alferes, o padre Manuel Luiz Coimbra, e com algumas ilustres figuras da comunidade, como o comendador Quintiliano Caetano de Fraga, entre outros, nominados no jornal como testemunhas. 

No derradeiro parágrafo, o Dr. Peralta desabafa ressaltando que quaisquer "torpezas" destas pessoas o encontrariam sempre pronto a reagir e os desafia a que "seus artigos venham appensos a um nome" para deixar de esgrimir "com sombras". Ao final, assina: A. PERALTA.

Suponho que, talvez, essas mentiras hoje conhecidas - ad nauseam - como fake news, tenham ecoado através do tempo e chegado aos nossos dias. Isso poderia explicar o conteúdo absurdo de alguns textos recentes que li na internet, os quais, entre outras tolices, afirmam que o matrimônio do casal Peralta teria ocorrido por meio de procuração, estando ele no Brasil e ela na Europa, desfiando motivos românticos e rocambolescos para emprestar enredo à esta fantasia e, mais ainda, ignorando as origens portuguesas de Maria Adelaide e a Escola de Medicina (vide post) onde o Dr. Peralta diplomou-se, na cidade do Porto, em Portugal.

Apesar de tudo, é maravilhoso para mim, um descendente curioso, conhecer a retidão de caráter e a  firmeza de convicções do meu trisavô, afirmadas num documento notável pelas suas peculiaridades, pela sua veemência e pela excelência do vernáculo em que foi redigido.