segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

A Travessia das Américas: Proeza de Heróis Esquecidos da FAB



O capitão aviador Arthur Carlos Peralta (o mais alto ao centro) e outros oficiais que, em 1942, protagonizaram a espetacular travessia aérea das três Américas. Ao fundo, os Vultee BT-15 Valiant. A FAB chegou a possuir um total 144 destas aeronaves entre 1942 e 1956.

No início de 1942, um grupo de oficiais aviadores, suboficiais e sargentos da Força Aérea Brasileira embarcou para os Estados Unidos com uma missão especial que, mesmo nos dias de hoje, seria considerada arriscada: trazer em voo, desde a América do Norte, algumas dezenas de aeronaves Vultee BT-15 Valiant, apelidado Vultizinho ou Perna Dura, em razão de seu trem de pouso não-retrátil. Embora o Brasil ainda não estivesse em guerra, o que só aconteceu em agosto de 1942, grande parte do mundo estava engalfinhado na segunda guerra mundial, em terras e céus da Europa, Ásia, África e Oceania e em todos os mares e oceanos. Nestas circunstâncias, estes destemidos homens do ar, trouxeram essas aeronaves monomotores, atravessando de norte a sul o continente americano, sem qualquer perda material e, sobretudo, de vidas.

Neste tempo, voava-se “ciscando”, em baixas altitudes, seguindo cursos de rios, tendo como referência acidentes geográficos, utilizando os escassos recursos tecnológicos disponíveis, como rádios e radiogoniômetros, além dos clássicos altímetros-barômetros e agulhas magnéticas. Nada de GPS, celulares, computadores de voo, navegação eletrônica, cabines pressurizadas, ar condicionado e outros luxos modernos. Por vezes, os aviões pousavam em clareiras ou pistas improvisadas e os mecânicos faziam os reparos ali mesmo, sob qualquer condição. Uma aventura digna dos roteiros de filmes.


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Tudo isso foi dito, para justificar as páginas do DOU de 21/07/1942, acima expostas, onde no Aviso nº 97, o ministro Joaquim Pedro Salgado Filho, o primeiro da Aeronáutica brasileira, faz um rasgado elogio aos seus comandados, que protagonizaram esta página heroica da aviação brasileira e mundial: "É-me, portanto, sumamente grato felicitá-los e louvá-los pelo arrojo, perícia e disciplina de vôo, tão brilhantemente demonstradas no cumprimento da missão que constituiu motivo de justo orgulho para a Força Aérea Brasileira", escreveu o ministro.

No meio desta relação de bravos está o nome de meu avô, então capitão-aviador Arthur Carlos Peralta, que participou da grande proeza. Estas expedições tiveram início em fins de 1940, quando foi trazida a primeira esquadrilha de aviões North American NA-44 (uma das versões do formidável NA T-6 Texan), de treinamento avançado de pilotos, que aterrissou em solo brasileiro em 13/10/1940. Outras destas aconteceram trazendo outros modelos e a mais numerosa foi essa que trouxe os BT-15, os quais decolaram de San Antonio, no estado do Texas, no dia 23/03/1942.

Além do meu próprio avô, conheci, pessoalmente, alguns destes aviadores corajosos. Lembro-me, especialmente, do coronel-aviador RR Wallace Scott Murray, que encontrei algumas vezes no cassino dos oficiais da base aérea do Bacacheri. Com um nome britânico – ou melhor, escocês – este oficial me contava suas histórias de aventuras como piloto de Spitfire da RAF (Royal Air Force), na segunda guerra e de como havia perdido uma perna em combate. Falava sobre as aventuras de Douglas Bader – grande herói da RAF – que, como ele, havia perdido as pernas. Eu, na época uma criança, ficava muito impressionado com estas histórias e com o Chevrolet hidramático e adaptado que ele possuía.

Mais tarde, meu pai me disse que, na verdade, Scott Murray nunca havia combatido na RAF, embora desejasse, e que me contava aquelas histórias por divertimento, por pilhéria, enfim para ser gentil com um piá  muito interessado pela aviação. Afinal, eu nunca soube por que perdeu a perna e não era preciso, pois, lembro-me com carinho das tais “aventuras” e acabei lendo os livros publicados sobre Bader, o Conquistador do Céu.

Este post é dedicado à memória destes heróis esquecidos da nossa gloriosa FAB.

Republiquei este post antes que findasse o ano em que se comemoram os 80 anos desta conquista inesquecível e extraordinária.

sábado, 3 de dezembro de 2022

Há Sessenta Anos Em Washington - D.C.

Quadro dos adidos aeronáuticos credenciados no Departamento da Força Aérea dos EUA em 1961/1963.






Nas fotos acima, meu avô, o então coronel-aviador Arthur Carlos Peralta e, minha avó, Dyrce Miranda Peralta comparecem a recepções oferecidas pelo departamento de Defesa dos EUA aos adidos militares em Washington. Arthur Carlos Peralta esteve nos EUA como adido aeronáutico junto a embaixada do Brasil em Washington entre os anos de 1961 e 1963, onde, também, foi membro da Junta Interamericana de Defesa. Foi nomeado adido aeronáutico para os Estados Unidos da América e Canadá, em 1961, após exercer a chefia de gabinete do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Gabriel Grün Moss, em Brasília - DF, durante o governo Jânio Quadros. 

Era profundo conhecedor dos Estados Unidos e dos militares americanos, onde esteve inúmeras vezes ao longo de sua carreira militar, em cursos de aperfeiçoamento de oficiais aviadores. Trouxe de lá, pilotando, algumas esquadrilhas, as quais eram adquiridas pelo Brasil e trazidas em voo desde a América do Norte. Uma dessas proezas, realizadas em plena segunda guerra mundial, foi elogiada pelo ministro Salgado Filho, por meio do Aviso n. 97, publicado no DOU de 21/07/1942, destacando o orgulho da FAB e da aviação brasileira pela coragem, ousadia e perícia dos oficiais aviadores, suboficiais e sargentos ali nomeados por terem trazido dos EUA em vôo dezenas de aeronaves Vultee BT-15 Valiant, sem uma única perda humana ou material, causando grande admiração no exterior.


quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Outubro de 1962 em Washington (DC): A Ameaça Nuclear



Essas fotos registram dois momentos - antes e depois - da conhecida "Crise dos Mísseis em Cuba", em outubro de 1962. No dia 14 de outubro de 1962, os EUA anunciaram ao mundo que a URSS estava instalando mísseis nucleares na ilha de Cuba, apontados para o território americano, o que causou a mais séria ameaça à paz mundial, desde o fim da segunda guerra. Nessa ocasião, meu avô, à época coronel aviador, Arthur Carlos Peralta e sua família, residiam em Washington, D.C., onde ele exercia o cargo de adido aeronáutico nos EUA e delegado brasileiro na Junta Interamericana de Defesa da Organização dos Estados Americanos (OEA). 

Foram dias de incertezas, em plena guerra fria. Devido ao estado de alerta decretado na capital americana, as autoridades promoviam constantes treinamentos de evacuação de casas e edifícios, a qualquer hora do dia ou da noite, ao soar das sirenes. Meus avós moravam próximos da Casa Branca, na Connecticut Avenue, 4600 e minha avó, Dyrce Peralta, me contava, que eles passaram momentos de grande aflição e angústia, neste período.  

A primeira foto, ao alto, foi feita em 12/10/1962, dois dias antes do início da crise dos mísseis, numa recepção aos membros do Interamerican Defense College, no forte Lesley J. McNair, após a inauguração das novas instalações do IDC naquela base militar que, também, sediava o National War College. A outra, uma recepção no clube dos oficiais do IDC, no mesmo local, em 07/11/1962,  dias após findar o episódio em Cuba, que deixou o mundo muito próximo de um confronto nuclear. Para nossa geração é difícil imaginar quão perto o mundo esteve de um conflito atômico*, por longos treze dias, há exatos sessenta anos.

Infelizmente, seis décadas depois, a sombra da ameaça nuclear está de volta aos nossos dias, com riscos crescentes, em virtude da perigosa escalada do conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, que se arrasta ao longo deste ano, sem quaisquer perspectivas de uma solução pacífica.  

* Muitos anos depois dos acontecimentos, documentos secretos e declarações de líderes soviéticos revelaram que a URSS jamais enviou os dispositivos que permitiriam a detonação dos tais artefatos nucleares, porque desconfiava das intenções do líder cubano. 

terça-feira, 19 de julho de 2022

A Neve Branca e a Geada Negra - 1975

A praça Santos Andrade coberta de neve, em 1975. Ao fundo, o prédio da Universidade Federal do Paraná, minha alma mater.
Fotografia que pertencia à minha avó Olga Biscaia e mostra a neve nos arredores de Curitiba, em 1928.
Dia 18/07: o jornal mostra a alegria dos curitibanos no dia da neve
Dia 19/07: As manchetes sobre a terrível geada negra no norte do Paraná

Não há um só mês de julho, desde aquele longínquo 17 de julho de 1975, em que eu não ouça comentários sobre se este ano vai ou não nevar. Basta o céu de chumbo curitibano, a garoa fina e os ventos gelados para que a esperança reacenda. Naquele dia, em plenas férias escolares e ainda dormindo debaixo dos cobertores, numa manhã gélida do inverno curitibano, ouvi minha avó, Olga Soffiatti Biscaia, gritar que estava nevando, chamando para que acordássemos e fôssemos ver o raro fenômeno que acontecia novamente, depois de quase meio século.

Minha avó, ela mesma havia testemunhado a última vez que nevou na cidade, em 31 de julho de 1928, quando tinha aproximadamente a mesma idade que eu tinha quando nevou outra vez. A grama do jardim da casa da rua Lamenha Lins, 203 ficou coberta com uma fina camada branca, que a mim pareceu coco ralado espalhado por cima de um bolo verde.

A neve sobre a grama do jardim da casa dos meus tios avós Odette Castellano Biscaia e Antonio Chalbaud Biscaia, na rua Lamenha Lins, 213. Ao fundo aparece a marquise da casa dos meus avós, vizinhos de muro.   
Toda a piazada da vizinhança estava na rua e as pessoas admiradas e hipnotizadas pela surpresa e pela novidade, meio boquiabertos, tiravam fotos a torto e a direito. Com meus amigos, montados em nossas bicicletas, corremos pelas redondezas, pelas praças e ainda mais longe, onde a neve acumulada nos gramados era mais duradoura que aquela que caia sobre as calçadas e o asfalto das ruas.

As pessoas tentavam fazer pequenos bonecos com a escassa neve que caiu por algum tempo, sem muito sucesso, porque as camadas não eram grossas, nem espessas, como nos filmes americanos de Natal. O encantamento das crianças e a alegria dos adultos durou pouco, mas, marcou definitivamente a minha memória e a de todos que vivenciaram aquela raríssima experiência nestes trópicos.

Se, no leste do estado, o inverno de 1975 deixou boas lembranças e saudades para os curitibanos, ele foi trágico para os habitantes do norte do Paraná. No dia seguinte ao da neve em Curitiba, com a temperatura abaixo de zero durante a madrugada, após um período de chuvas contínuas, a famigerada geada negra matou todos os cafeeiros da região norte, especialmente em Londrina - a "capital do café"-, e levou à ruína muitos plantadores, com consequências devastadoras para a economia paranaense, que era totalmente dependente da lavoura do café. 

Havia chegado ao fim o dourado ciclo do café paranaense, após quase cinco décadas de geração de riquezas e desenvolvimento, que lançaram as bases para o futuro do Paraná. A rubiácea jamais recuperaria a importância que teve para a vida econômica e social do estado, que chegou a ser o maior produtor mundial.                  

P.S.: Finalmente, após 38 anos, nevou novamente em Curitiba, no dia 24/07/2013, por pouquíssimo tempo. Mas, nem de longe se comparou à neve de 1975 ou 1928. 


Republicado em 19/07/2022.

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Der Heilige Rock: O Manto Sagrado de Trier (1844)

Lembrança (impressa em tecido) da peregrinação ao manto sagrado de Cristo (Heiliger Rock), que ficou em exposição pública em Trier entre agosto e setembro de 1844. (acervo pessoal de Arthur Carlos Peralta Neto)  
Na milenar cidade de Trier (ou Tréveris), na atual Alemanha (no território da antiga Prússia), conforme a tradição católica, está guardado o manto sagrado que Jesus teria usado na crucificação. Atualmente, o Santo Robe se encontra numa caixa de vidro climatizada, dentro da Catedral de São Pedro, em Trier. O Trierer Dom, construído em estilo românico foi inaugurado em 1º de maio de 1196, quando ocorreu a consagração do manto, pelo arcebispo da cidade, Johann I.   

Minha trisavó Carolina Probst, casada com o trisavô Nicolau Klüppel, teria nascido em Trier em 1841 ou, talvez, tivesse residido em Trier (*). A família do trisavô Klüppel morava nas proximidades de Trier. No ano de 1844, que consta da lembrança acima, ocorreu uma das mais conhecidas peregrinações ao manto sagrado, que ficava em exposição pública na Catedral durante estes eventos. Estas peregrinações ocorreram por 15 vezes desde a consagração do manto, em períodos distintos. A mais recente aconteceu em 2012. 

A peregrinação ao Santo Robe de 1844 foi a maior da sua história. Mais de um milhão de pessoas foram admirar o manto, no curso de sete semanas. A peregrinação ocorreu após um longo período de restrições às manifestações religiosas na Prússia, que foram liberadas por meio da assinatura de um acordo entre o rei prussiano Frederico Guilherme IV e a Igreja Católica, naquele mesmo ano.

Minha avó Olga Soffiatti Biscaia, que conheceu pessoalmente sua avó materna Carolina, ganhou dela a lembrança acima, impressa em tecido (aparentemente linho), que celebrava o ano da peregrinação em 1844 e, segundo minha avó, foi trazida com sua família, ou com a família do trisavô Nicolau, quando emigrou para o Brasil. Minha avó me presenteou com esta relíquia, bem conservada, a qual guardo com cuidado e carinho, há muitos anos. 

Neste mês de maio de 2022, comemoram-se 826 anos da consagração do manto e da inauguração da Catedral. Bons motivos para relembrar a relíquia da trisavó Carolina e a memória de minha avó Olguinha, que nos deixou no dia 28 de maio, há dezesseis anos cheios de saudades.    

(*) OBSERVAÇÕES COM BASE EM MINHAS PESQUISAS:

- Conforme a publicação "Famílias Brasileiras de Origem Germânica" (edição conjunta do Instituto Genealógico Brasileiro e do Instituto Hans Staden, 1967, pág. 303 a 305), Carolina teria nascido em Trier, em 1841 e emigrado para o Brasil em 1844, com três anos de idade. Já, segundo a certidão de casamento de Carolina e Nicolau Klüppel, na matriz de Curitiba, em 1859, ela teria nascido em Hannover. Talvez, a família dela, ou mesmo a família de Nicolau Klüppel (que residia próxima de Trier), tenha feito esta peregrinação e a relíquia foi trazida ao Brasil pelo trisavô Nicolau Klüppel. 

- Na publicação "Listas de Imigrantes", editada pelo Arquivo Histórico da Prefeitura Municipal de Joinville (SC) em 1998-99, disponível na internet, que contém as relações de imigrantes desembarcados de navios no porto de São Francisco do Sul (SC), entre 1851-1891 e 1897-1902, consta a relação da família de Carolina Probst, assim: "PROBST, C.C.F.: 32 anos, mineiro, Clausthal, Hannover, c/ mulher C.C.E. (35), nasc. Maacke, filhos F.I.A.I. ( 7 ½ ), C.F.T. (11), J.H.F.A. (3), C.A.F. (1 ¼ ), protestantes, 3ª classe. (J e L)". Desembarcaram entre 6 e 7 de outubro de 1854, do navio Emily, que zarpou do porto de Hamburgo, sob o comando do capitão A. Schmidt. Os imigrantes germânicos deste navio tinham como destino a colônia Dona Francisca, em Santa Catarina.

- O respeitado site de estudos genealógicos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmon) familysearch.org revela em notas recentes que os pais de Carolina Probst chamavam-se Caroline Christiane Eleonore Maacke e Carl Friedrich Wilhelm Ferdinand Probst, que basicamente coincidem com as iniciais da lista de desembarque acima. A trisavó Carolina, provavelmente, está identificada com as iniciais C.F.T., com 11 anos de idade.

Seja qual for o verdadeiro ano da chegada de Carolina Probst Klüppel ao Brasil, ou o lugar onde nasceram ou viveram na antiga Alemanha, o certo e indiscutível é que a relíquia tratada neste post é genuína e foi presenteada pessoalmente pela trisavó Carolina à minha avó Olguinha, que é o motivo principal desta história de família. 

Post republicado em razão de novas pesquisas.

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Abril, 1962: Primavera em Washington






Fotos da primavera de 1962, em Washington - D.C., quando meus avós Dyrce e Arthur Carlos Peralta e sua família residiam lá, enquanto ele foi adido aeronáutico nos EUA, entre 1961 e 1963. Além dos meus avós, aparecem meus tios Claúdio Victor, Joaquim Carlos e Luiz Antonio Peralta, entre as famosas cherry blossoms, as cerejeiras japonesas em flor, há sessenta anos. Republico em homenagem à memória do  meu tio adotivo, Joaquim, e do meu padrinho Luiz Antônio, falecidos em tempos recentes.