sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Niterói, 17/12/1961, Há 60 Anos Um Triste Dia: O Incêndio do Gran Circo Norte Americano

Os anúncios do circo nos jornais da época
A lona armada para a exibição
Nunca fui apreciador de circos ou espetáculos circenses. Não por preconceito, nem, muito menos, por desprezo desta arte milenar. Creio que a tragédia do circo em Niterói, que marcou a história da cidade onde nasci, ficou guardada em minha memória. No dia 17 de dezembro de 1961, minha mãe estava grávida de mais de oito meses. Eu nasceria dali quase um mês, em janeiro de 1962. Naquele dia – um domingo de muito calor, abafado e quase sem ventos – meus pais almoçaram na casa do meu tio-avô paterno, Valdomiro Antônio Peralta, tio Valdo, no bairro de Santa Rosa, numa casa que guardo com clareza nas minhas lembranças, pintada de cor meio ocre, situada num lugar alto, sobre uma ladeira. A casa tinha, nos fundos, uma espécie de casa na árvore.

Neste tempo, meu pai era secretário de imprensa do governador Celso Peçanha e ganhara ingressos para o Gran Circo Norte Americano, que estreou dois dias antes e havia sido muito alardeado e objeto de noticias diárias, na antiga capital fluminense. Pela cidade, as pessoas se agitavam, comentavam e procuravam ingressos para "o maior espetáculo da terra", que prometia ser o maior palco circense da América Latina. Depois do almoço, meu pai, que gostava muito destes espetáculos, insistiu com minha mãe para que fossem ao circo. Esta, já próxima do fim da gravidez, alegou muito cansaço e indisposição para ficar debaixo de uma lona abafada, num dia escaldante, que prenunciava o início do tórrido verão fluminense. A esposa de tio Valdo, tia Namir Peralta – a médica obstetra que me trouxe ao mundo, alguns dias depois –, proibiu que minha mãe fosse ao circo naquelas condições, pois, seria muito perigoso tão perto do fim da gravidez. Contrariado, meu pai resignou-se em não ir ao circo, lamentando perder a tão esperada exibição.

No fim daquela tarde, meus pais ouviram as sirenes dos bombeiros e das ambulâncias e os gritos de horror e desespero, que ecoaram pela cidade, anunciando a tragédia que abalaria Niterói e o país inteiro: o mais devastador incêndio em um circo, em toda história circense no mundo. Mais de quinhentas pessoas, queimadas ou pisoteadas, morreram, e mais de duas mil pessoas ficaram marcadas para sempre, no corpo e no espírito, pelas sequelas da catástrofe, que foi criminosa, como depois se apurou. Passados muitos anos da tragédia, ainda era possível reconhecer nas ruas os sobreviventes. Não haveria outro circo na cidade, por décadas.

Durante anos, ouvi esta e outras histórias sobre o terrível incêndio que traumatizou uma geração e deve ter sido responsável pela minha involuntária pouca atração pelos espetáculos circenses. A indisposição de minha mãe, devida a gravidez e a proibição da minha tia-avó médica, nos salvaram deste tristíssimo episódio da história de Niterói, há exatamente 60 anos passados. Dedico este post à memória dos conterrâneos que não tiveram a mesma sorte.       

Republicado para relembrar os 60 anos da tragédia.