quinta-feira, 1 de julho de 2021

Os Duzentos Anos da Carreira Militar de Ludgero José Villet

Nas inúmeras pesquisas que já realizei na internet, obtive muitas informações sobre a vida militar de meu tetravô, Ludgero José Villet, como oficial do Exército português. Como se sabe, Ludgero era o  pai da trisavó Maria Adelaide de Burgos Chapuzet Villet que junto com o trisavô Antonio Botelho Peralta foram os fundadores do nosso ramo da família Villet Peralta no Brasil.

Pesquisei muito sobre a trajetória de Ludgero no Exército de Portugal em livros e documentos disponíveis, muitos em domínio público, onde encontrei a maior parte dos registros de sua carreira militar. Recentemente, em consultas ao Arquivo Histórico Militar do Exército Português, recebi cópias das fichas individuais do serviço militar do meu tetravô, as quais, exceto pela revelação da opinião pessoal de diferentes comandantes sobre seu desempenho como oficial, pouco acrescentaram aos fatos que eu já conhecia.     

Ludgero sentou praça como Cadete da arma de Infantaria, aos dezesseis anos, exatamente há 200 anos, no dia 1º de julho de 1821, motivo pelo qual resolvi atualizar e republicar este post. Desde logo, foi incorporado às tropas do 1º Batalhão da Legião Constitucional Lusitana que, em seguida, seriam enviadas a Salvador, na Bahia, no baldado esforço de Portugal em conter as primeiras manifestações e conflitos pela Independência do Brasil que, por fim, foi proclamada em 7 de setembro de 1822. 

Os batalhões ficaram sediados no quartel do Carmo, localizado no convento dos carmelitas calçados. Após a consolidação da separação do Brasil de Portugal, Ludgero retornou com as tropas que foram embarcadas de volta em novembro de 1822. A ocupação em Salvador ainda perduraria até o início de julho de 1823, quando o remanescente das tropas portuguesas deixaram definitivamente o país.

Em 12/02/1823, o cadete Ludgero José Villet foi enviado às ilhas de Cabo Verde, então província portuguesa de ultramar na costa da África. Em 21/05/1823 foi promovido ao posto de Alferes, no Regimento de Infantaria nº 20 das Companhias Provisórias de Cabo Verde. Serviu como ajudante de campo do governador do arquipélago, o coronel João da Matta Chapuzet (vide post), que era seu tio (irmão de sua mãe) e o criou como um filho desde a infância, já que ficara órfão de pai antes mesmo do seu batismo. Permaneceu em Cabo Verde até 1825, quando retornou ao continente europeu.

Em 1826, Ludgero foi incorporado ao Regimento de Infantaria número 4. No mesmo ano, seu tio, o coronel Chapuzet, foi eleito deputado às Cortes Gerais representando as ilhas de Cabo Verde. Com o desenrolar dos acontecimentos que dariam início à Guerra Civil que se seguiu à morte de Dom João VI, o Alferes Ludgero José Villet viu-se, desta vez, engajado na campanha militar em defesa do direito de dona Maria da Glória (filha de dom Pedro I do Brasil - Pedro IV de Portugal), ao trono lusitano, tendo firmado auto de juramento de fidelidade (vide post). 

Após a aclamação de dom Miguel pelas Cortes Gerais como legítimo herdeiro do trono português, em 1828, aqueles que haviam jurado fidelidade à causa de dona Maria II passaram a ser perseguidos, presos e sumariamente executados pelo governo miguelista. Ludgero Villet e seu tio João da Matta Chapuzet partiram neste ano para um penoso exílio, primeiro na Inglaterra e depois na Bélgica e França, onde passaram por toda sorte de dificuldades.

Chronica Constitucional do Porto, de 11/04/1833, que publicou o decreto de Dom Pedro, duque de Bragança, promovendo o Alferes Ludgero José Villet ao posto de Tenente (último parágrafo, embaixo à direita). 
A longa expatriação, sucessivamente, nas cidades de Plymouth, Bruges, Ostende e Dunquerque, só terminou quando Ludgero foi admitido nas fileiras do Exército Libertador de Dom Pedro, duque de Bragança, desembarcando com suas tropas na foz do Douro, em dezembro de 1832. Novamente em solo pátrio, Ludgero foi promovido em abril de 1833 ao posto de Tenente, integrando o estado-maior do Tenente-General Thomas Guilherme Stubbs, como seu ajudante de ordens. Segundo os registros médicos que encontrei, Ludgero Villet foi gravemente ferido em combate no dia 1º de dezembro de 1833, num violento confronto com tropas miguelistas na baixa da Areosa, durante o sangrento Cerco da Cidade do Porto. Em 24 de julho de 1834 foi promovido ao posto de Capitão e incorporado ao Regimento de Infantaria número 1.

As informações contidas nas fichas individuais de serviço militar de Ludgero, que recebi do AHM do Exército português, preencheram a lacuna que existia nas minhas pesquisas entre sua última promoção em 1834 e o ano de 1846, quando sua carreira militar se encerrou. Com base nas informações de um livro* que adquiri, descobri que Ludgero foi transferido compulsoriamente para a reserva no posto de Capitão, num ato que evidencia uma perseguição da Junta (Provisória) Governativa do Porto, durante a guerra civil da Patuleia. Por sua vez, as fichas já referidas nada mencionam ou esclarecem sobre os alegados motivos que deram causa à sua aposentação forçada. 

Pelos valorosos serviços militares foi-lhe concedida a comenda e o título de Cavaleiro da Ordem de Aviz, em 22 de novembro de 1842, uma das mais importantes condecorações militares de Portugal. Nas avaliações dos seus comandantes, ao longo dos últimos anos da sua carreira, há sucessivas recomendações para a promoção de Ludgero ao posto superior de Major, o que nunca ocorreu. 

Ludgero vivenciou os tempos tormentosos das revoluções e guerras civis portuguesas da primeira metade do século XIX, sempre fiel ao seu país, servindo sua pátria mesmo nas condições mais adversas da história portuguesa. Apesar dos seus méritos e bons serviços, sua carreira militar havia sofrido atrasos pelo longo exílio e veio a findar precocemente por um ato de evidente vingança política da famigerada Junta da Patuleia

Ludgero José Villet, nasceu em Lisboa, na freguesia de Santa Catarina, em 1805. Em 24/10/1835, na cidade do Porto, casou-se com Roza Adelaide de Burgos Fernandez, natural de Burgos, na Espanha e tiveram pelo menos cinco filhos: Maria Adelaide, Roza, Ludgero, Filipe e Luiz. Roza Adelaide faleceu com apenas 28 anos de idade, em março de 1844. Seus dois últimos filhos morreram em maio de 1844 (segundo o termo de óbito, ambos foram vítimas de coqueluche), logo em seguida ao falecimento da mãe, sendo que um deles tinha pouco mais de um ano de idade e outro alguns meses. 

Sua filha mais velha, minha trisavó Maria Adelaide de Burgos Chapuzet Villet, nasceu na cidade do Porto, em 1837 e ali casou-se com meu trisavô, o médico Antonio Botelho Peralta, em 1856, na igreja de São Martinho de Cedofeita. Nos meses seguintes o casal emigrou para o Brasil e constituíram nossa grande família Peralta, em Paty do Alferes, na serra fluminense, onde nasceram seus filhos brasileiros, que geraram uma enorme descendência, da qual sou parte.

Nada sei sobre a vida de Ludgero, após o falecimento de Roza Adelaide e dos dois filhos mais novos, e nem depois de sua aposentadoria das fileiras do Exército, em 1846. Desconheço, ainda, a data de sua morte que, presumivelmente, ocorreu naquela Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto, cidade que amava e pela qual combateu corajosamente. 

* Os Titulares e os Oficiais da Patuleia - Org.:Miguel Esperança Pina, Nuno Borrego e Lourenço Vilhena de Freitas; Editora Tribuna; Lisboa, 2006.