quarta-feira, 6 de março de 2024

João da Matta Chapuzet: Um Patriota Lusitano

Página de introdução


Carta de João da Matta Chapuzet solicitando meios para si e para Ludgero José Villet voltarem à Portugal e combaterem pela restituição do trono à D. Maria II. A carta faz parte de um conjunto de documentos publicados pelo coronel Chapuzet em 1834, para comprovar que nunca foi atendido em seu pleito de regressar ao seu país e lutar pela restauração, em resposta às intrigas de seus adversários. A primeira imagem ao alto é a página de introdução do livro O Coronel Chapuzet aos seus Compatriotas - Memoria Justificativa e Documentada; Typograpia de Felippe Nery; Lisboa, 1834.    
Minhas pesquisas sobre as origens das famílias Peralta, Chapuzet e Villet revelaram um personagem interessante do qual já tratei em um post anterior e cuja ligação com nossos antepassados era para mim algo nebulosa, até agora. Trata-se do brigadeiro João da Matta Chapuzet, militar português, além de político, escritor, arquiteto e engenheiro. Graças a uma certidão que, mais uma vez, remeteu o atencioso primo Atalives de Resende, e às consultas que eu fiz junto a Biblioteca Nacional de Portugal, pude esclarecer nossas ligações familiares e, ao mesmo tempo, descobrir o caráter de um verdadeiro patriota lusitano.

João da Matta Chapuzet nasceu na freguesia da Lapa, em Lisboa, em 1777*, filho de Gertrudes e João Chapuzet. Sua irmã, Marianna Gertrudes Chapuzet casou-se com Ludgero José Villet, cujo filho homônimo vem a ser o pai da minha trisavô, Maria Adelaide de Burgos Chapuzet Villet, casada com o médico Antonio Botelho Peralta, patriarcas do nosso ramo brasileiro da família Peralta.

Chapuzet sentou praça no Regimento de Artilharia de Marinha em 16/11/1794. Frequentou a Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho e fez o 1º e 2º anos do curso matemático da Real Academia de Marinha. Como engenheiro e arquiteto militar, foi promovido ao posto de segundo-tenente no Real Corpo de Engenheiros, em 04/12/1796. São de sua autoria as plantas de algumas fortalezas de Portugal, como o forte de São Bruno de Caxias e o forte do Guincho.

Logo no início de sua carreira como oficial do exército português combateu na campanha do Alentejo, comandando uma "sortida com duas peças" de artilharia, em 5 de junho de 1801, durante o cerco de Elvas. Foi promovido, sucessivamente, ao posto de primeiro-tenente, em 13/05/1803; a capitão, em 13/12/1808; a major, em 11/08/1812; e a tenente-coronel em 12/10/1815. Neste período, tomou parte em seis campanhas da guerra contra a ocupação napoleônica na Península Ibérica, entre 1808 e 1815, conhecida como Guerra Peninsular. Recebeu por seus méritos bélicos todas as condecorações relativas a estas importantes campanhas militares.

Como reconhecimento pelos seus sacrifícios patrióticos, até o posto de major, dom João VI concedeu-lhe em 1816 as rendas vitalícias da administração da Capela da Coroa de Portalegre. Exerceu várias funções de comando e de estado-maior, sendo promovido ao posto de coronel em 18/12/1820. Era um entusiasta dos ideais liberais que deram origem à revolução constitucionalista de 1820, tendo participado da mesma.

Foi nomeado por dom João VI governador-geral das ilhas de Cabo Verde entre 1823 e 1826. Durante este período seu sobrinho (e meu tetravô), então alferes de infantaria, Ludgero José Villet¹, era o ordenança do governador. O governo do coronel Chapuzet no arquipélago foi marcado por uma administração honesta e por obras de modernização e de urbanização da cidade da Praia, a capital. Em 1826, foi eleito deputado da Nação Portuguesa às Cortes Gerais, representando Cabo Verde. Em junho de 1828, as Cortes Gerais instauraram o governo de usurpação de dom Miguel, revogando a constituição liberal de 1826, o que deu início à guerra civil portuguesa, que duraria até 1834.

Tomando o partido da causa liberal e da legitimidade de dona Maria II (dona Maria da Glória, filha de dom Pedro I do Brasil - Pedro IV de Portugal) que fora destituída do trono e se exilou em Londres e depois no Brasil, o coronel Chapuzet deixou sua família em Lisboa e partiu para um penoso exílio na Bélgica e França, enfrentando grandes dificuldades. Em Portugal, seguiu-se um período de ferozes perseguições políticas aos partidários da rainha. Também expatriado, meu tetravô Ludgero José Villet fez companhia ao tio, do início ao fim.

Quando dom Pedro organizou a expedição militar para recuperar o trono, em 1832, Chapuzet dirigiu à regência instalada na ilha Terceira dos Açores e aos seus representantes em Londres e Paris, diversos apelos para juntar-se às tropas e lutar em terras portuguesas pela restauração. Contudo, não logrou ser atendido. Chapuzet encontrava-se em graves dificuldades financeiras, devido à longa permanência no exílio, onde contraiu dívidas e não possuía recursos próprios para voltar a Portugal e combater ao lado das tropas leais à rainha, como desejava. Nos seus apelos, pedia, também, pelo seu sobrinho Ludgero José Villet, que sempre o acompanhou no longo desterro, conforme a carta acima publicada.   

Publicação do ato de nomeação de Chapuzet como governador interino da Torre de São Julião da Barra, após retornar do exílio em 1833 (Chronica Constitucional de Lisboa, nº 135 de 31/12/1833).

A fortaleza de São Julião da Barra em gravura de meados do século XIX

Conseguiu retornar, finalmente, à Lisboa em 12 de outubro de 1833, sendo reintegrado em suas funções militares. Por portaria assinada por dom Pedro, duque de Bragança, em 21/11/1833, foi nomeado governador interino da Torre de São Julião da Barra, fortificação que já comandara antes, e neste cargo permaneceu por alguns anos. Promovido ao posto de brigadeiro graduado em 24/07/1834, continuou ocupando cargos de alto prestígio militar, tendo sido comandante da 3ª Divisão Militar. Foi reformado com honras, em 05/09/1837, com mais de quarenta anos de serviço militar. O último cargo público que exerceu foi de governador da praça-forte de Elvas, entre 1838 e 1842, do qual foi exonerado em 07/02/1842.

Era, também, escritor e poeta, com algumas obras publicadas e referidas em dicionários bibliográficos da época. Foi casado com Felícia Mariana² Chapuzet e teve uma filha chamada Maria Guilhermina. Faleceu em 6 de agosto de 1842 e foi sepultado no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa.

Os feitos do brigadeiro João da Matta Chapuzet, seus escritos e sua trajetória na vida política e militar portuguesa daqueles tempos tormentosos, revelam um homem honesto e corajoso e, mais que isso, um leal servidor da sua pátria.         

*Considerando o antigo costume católico que existia, na Península Ibérica, de dar nomes aos filhos conforme o santo do dia do nascimento, é possível que Chapuzet tenha nascido em 17 de dezembro, dia de São João da Matta, ou em data próxima no mês de dezembro de 1777.  

¹ Minhas pesquisas recentes revelaram que o pai do tetravô Ludgero José Villet (também homônimo deste), faleceu pouco antes deste nascer, em 1805. Assim, João da Matta Chapuzet criou o sobrinho, filho de sua irmã, como se fora seu próprio filho, dando-lhe orientação e apoio enquanto viveu.       

² Felícia Mariana (Villet) Chapuzet era irmã do meu tetravô Ludgero José Villet e de Mariana Gertrudes Villet (homônima da mãe que se casou no arquipélago de Cabo Verde, em 19/01/1824, com Pedro Paulo da Silveira e Castro, capitão do batalhão de caçadores e comandante da primeira companhia provisória do Exército português, em Cabo Verde). João da Matta Chapuzet desposou sua sobrinha (filha de sua irmã Mariana Gertrudes Chapuzet Villet), que ficara órfã ainda criança. Esses casamentos não eram incomuns, na época. 
A esposa do coronel Chapuzet, então governador de Cabo Verde, protagonizou um rumoroso caso de adultério com um cirurgião militar, que ficou famoso naquelas ilhas e foi mencionado no romance histórico "O Senhor das Ilhas" de Maria Isabel Baleno (Editorial Caminho S/A, Lisboa, 1994) e em outro mais recente. O cirurgião foi preso e acabou morrendo na prisão. Há alguns documentos nos arquivos históricos portugueses que se referem ao caso. Chamam a atenção, em documentos da época, as manifestações do bispo de Cabo Verde, dom Jerônimo Barco da Soledade, que insistia com veemência na reconciliação do casal Chapuzet.  

Republicado em razão de novas pesquisas.
    

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Maria José Ribeiro e João dos Santos Biscaia

Assento do batismo de João dos Santos Biscaia, realizado em 04/06/1843, aos dois meses de idade, na matriz de Nossa Senhora da Luz de Curitiba (*).
Assento do casamento de João dos Santos Biscaia e Maria José Ribeiro, na Matriz de Curitiba, em 15/09/1866, celebrado pelo vigário, o conhecido padre Agostinho Machado Lima. O casal tinha relação de parentesco consanguíneo em terceiro grau colateral.  

Almanak da Província do Paraná - 1878


O Dezenove de Dezembro - Nov/1872 
 

Os trisavós João dos Santos Biscaia e Maria José Ribeiro, em fotografia¹ de meados do século XIX. Ambos eram naturais de Curitiba, sendo que a família de Maria José descendia de Mateus Leme e Baltazar Carrasco dos Reis, fundadores da vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, no fim do século XVII. Ele era filho do capitão Manoel Rodrigues Biscaia e de Maria Francisca dos Santos, residentes no distrito do Capão Raso; e ela, filha de João Ribeiro Baptista e de Rosa Maria de Jesus, todos naturais de Curitiba.
Fotografia da área central de Curitiba (c.1870). Ao fundo destaca-se a Matriz.
                            
A capital da província, em fins do terceiro quartel do século XIX, segundo o Almanak da Província do Paraná, contava com perto de 3.000 habitantes no seu núcleo urbano e com 12.651 em todo o município, conforme o censo de 1872. A comarca de Curitiba (que em 1870 abrangia os territórios de outros municípios, além da capital) reunia "24.664 almas". O aumento populacional já refletia os primórdios da colonização italiana na região.

João dos Santos Biscaia era comerciante e proprietário na capital e ocupou a patente de capitão da Guarda Nacional. Teve participação ativa na vida social e política da cidade. Era um dos próceres do partido Liberal e exerceu o cargo de vereador e de fiscal da Câmara Municipal de Curitiba², a qual, nos tempos do Segundo Império, além das funções legislativas, desempenhava aquelas que atualmente competem às prefeituras municipais. Disputou, ainda, uma cadeira na assembleia provincial. Foi, também, irmão mesário³ da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.

Lápide de João dos Santos Biscaia no jazigo da família Biscaia, no cemitério municipal de Curitiba, onde consta o nascimento em 06/03/1842 (*).

O trisavô João nasceu em 1843 (conforme o assento de batismo) e faleceu em 1891. A trisavó Maria José nasceu em 1846 e faleceu em 1921. Casaram-se em 15/09/1866, em cerimônia oficiada pelo vigário da Matriz, o padre Agostinho Machado Lima. 

Tiveram vários filhos, entre eles meu bisavô, João dos Santos Biscaia, homônimo do pai, nascido em 1881, que se casou com a bisavó Josefina (Finita) Chalbaud Biscaia. Minha bisavó Finita conviveu muitos anos com sua sogra, a trisavó Maricota como era conhecida, e contava as suas histórias para os seus filhos e netos.          

Francisco Negrão, em sua conhecida obra "Genealogia Paranaense", edição de 1950 da Impressora Paranaense, volume 1, pág. 573, afirma que João dos Santos Biscaia nasceu em 06/03/1842. No mesmo volume, à página 569, escreve que ele nasceu em 04/06/1843. O assento do batismo (único registro oficial com fé pública na época) certifica que ele foi batizado pelo vigário da Matriz, o padre Antonio Teixeira Camello, no dia 04/06/1843, com dois meses de idade, o que permite concluir que seu nascimento ocorreu no início de abril de 1843.     
¹ A fotografia dos trisavós João e Maria José foi obtida pelo meu primo, o advogado e pesquisador Arthur Virmond de Lacerda Neto (neto materno de Antonio Chalbaud Biscaia), em suas pesquisas genealógicas familiares.
² Menos de um século depois, seus netos Antonio Chalbaud Biscaia e Evaristo Chalbaud Biscaia seriam, respectivamente, deputado federal pelo Paraná e vereador em Curitiba. (Vide Os Irmãos Chalbaud Biscaia).    
³  Os irmãos mesários eram membros de um órgão de natureza deliberativa na estrutura administrativa das Irmandades das Santas Casas de Misericórdia, eleitos pelos membros da irmandade.