quarta-feira, 31 de julho de 2024

Uma Emboscada para Guilherme Klüppel


Telegrama do coronel Carlos Pioli, publicado no jornal  A República, comunicando o assassinato de Guilherme Klüppel.
Reportagem do jornal Diário da Tarde, em 18/08/1911, sobre a emboscada contra Willy Klüppel.  
Os gêmeos Rosa e Willy Klüppel em fins da década de 1880 - Fotógrafo H.A. Volk
Guilherme (Willy) Klüppel na primeira década do século XX (foto que pertencia ao acervo de minha avó Olga Soffiatti Biscaia)
Minha avó, Olga Soffiatti Biscaia sempre contava histórias de família, que eu ouvia com especial atenção e interesse. Aliás, quando pesquiso sobre as histórias que minha avó contava, sempre confirmo que o teor de todas eram o relato da verdade, sem exageros ou invenções. Uma história que era sempre repetida tratava do assassinato de tocaia de seu tio, Guilherme Klüppel, chamado Willy pela família e irmão gêmeo de sua mãe, Rosinha Klüppel Soffiatti. Os gêmeos eram os filhos caçulas de Carolina Nicolau Klüppel.

Nessa história, minha avó contava que Willy Klüppel exercia o cargo de "delegado calça-curta" em Itaperuçu, como eram chamados os subcomissários de polícia, nomeados pelo governador do estado (que na época tinha o título de presidente do estado). Esses cargos políticos eram confiados aos correligionários dos chefes partidários regionais. Guilherme era filiado ao Partido Republicano Paranaense e o coronel Carlos Pioli era o chefe político regional de Rio Branco do Sul, município onde se situava a localidade de Itaperuçu¹ na ocasião. O coronel Pioli foi prefeito daquele município, mais tarde deputado estadual em várias legislaturas, tendo sido um influente líder político no Paraná, durante a República Velha. 

Willy Klüppel foi nomeado subcomissário em Itaperuçu em 1911 e, antes, exercera o mesmo cargo no município de Cerro Azul. A politica partidária naquela região e em muitos outros rincões do Paraná e do Brasil durante a República Velha, envolvia disputas violentas e, não raro, assassinatos de adversários e inimigos. A morte de Guilherme Klüppel, em 17 de agosto de 1911, aconteceu nesse cenário de violência política regional e foi comunicada por telegrama do coronel Carlos Pioli, ao jornal A República, órgão do Partido Republicano Paranaense.

Segundo a reportagem do jornal Diário da Tarde de 18/08/1911, feita com base no relato do subcomissário de polícia da capital, Francisco Nascimento, encarregado da investigação do crime, Willy Klüppel havia deixado sua casa em Itaperuçu com destino à estação ferroviária de Rio Branco do Sul. Lá, supervisionou o embarque de uma carga de madeira e lenha para a capital e para vila Deodoro (hoje Piraquara) onde seu pai, Nicolau Klüppel comercializava lenha e beneficiava madeira. Willy Klüppel e seu cunhado, meu bisavô Guerino Soffiatti, extraíam e comercializavam madeiras em Itaperuçu.

Após o embarque das mercadorias, regressando a sua casa em Itaperuçu, foi atingido por um de dois tiros de emboscada, disparados de um matagal à beira da estrada. O cavalo em que montava, assustado com os tiros, saiu a galope solto até o povoado de Itaperuçu, onde várias pessoas cercaram o animal e o pararam, tentando socorrer Willy. Gravemente ferido, este não resistiu e veio a falecer às 10 horas da manhã. Segundo o jornal, seria esta terceira tentativa contra a vida de Willy Klüppel em pouco tempo e sempre de emboscada. Houve outras tentativas, quando ainda exercia o cargo em Cerro Azul.

As investigações apontaram que o crime foi praticado por uma pessoa contratada por seus adversários políticos, mas, desconheço a conclusão do inquérito ou mesmo se alguém foi punido pelo crime.

Minha avó contava que sua mãe Rosinha, gêmea de Willy Klüppel, tivera um horrível pesadelo na noite que antecedeu ao crime - disse que sonhara com o diabo -, o que a fez acordar assustada no meio da madrugada. Poucas horas depois, vieram bater na porta de sua casa para comunicar-lhe o trágico acontecimento.

Guilherme Klüppel nasceu em Curitiba, em 12/10/1884 e faleceu com 26 anos de idade. Foi casado com Alayde² Rodrigues teve duas filhas: Amélia e Aracy Klüppel. Amélia faleceu com um ano de vida, vítima de crupe.

¹ O município de Itaperuçu foi criado pela Lei Estadual nº 9.437 de 09/11/1990 e seu território foi desmembrado de Rio Branco do Sul. A instalação deu-se em 01/01/1993.  
² Alayde Rodrigues foi batizada como Alaida, conforme assento de batismo da Matriz de Curitiba, em 25/09/1888, filha de Severino José Rodrigues e Amélia Cordeiro Rodrigues.

terça-feira, 14 de maio de 2024

Família Soffiatti Biscaia: A Guaratuba de Outrora

A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bonsucesso, no início da década de 1930.
Parentes e amigos da família Soffiatti, em Guaratuba, em 1930. Minha avó Olga Soffiatti Biscaia é a primeira sentada à esquerda. Ao fundo, o morro do Brejatuba, ainda sem a estátua do Cristo, erigida em 1953.
Do lado direito, em pé: meus avós Mario e Olga Biscaia, com minha madrinha, Vera Regina, no colo. Em pé: à esquerda, Henrique de Mattos Guedes, sua mulher Rosinha de Mattos Guedes e a filha Iná. No centro, em pé: Geny Soffiatti da Motta Ribeiro. A criança sentada na areia é minha mãe Maria do Rocio Biscaia. Do seu lado esquerdo, a prima Nilce Soffiatti. Sentados, à direita, estão: Neudy de Mattos Guedes e Neuza Soffiatti da Motta Ribeiro de Mattos Guedes, filha de Geny Soffiatti da Motta Ribeiro, irmã de minha avó, e de Octavio da Motta Ribeiro. Foto de 1944.
Minha avó Olga Biscaia à direita e a tia-avó Diva Bührer Soffiatti, ao centro. Atrás, Laura Klüppel, prima de minha avó. Foto do início da década de 1940.

Meus avós Olga e Mario Chalbaud Biscaia, em trajes de saída de banho, no início dos anos 1940.
Agachado, Carlos Orlando (Xanga) Loyola, com sua mulher e prima de minha avó, Yara Vianna Loyola, atrás dele. Em pé, à direita, minha avó Olga Biscaia. A criança no carrinho é minha mãe, Maria do Rocio Biscaia. A criança à direita é o seu primo Normando Guerino Soffiatti. Foto de 1941.
Nas duas fotos acima, minha avó Olguinha e minha mãe, Maria do Rocio Biscaia, em 1941. À direita, o casal Yara e Carlos Orlando Loyola (Xanga), ela prima de minha avó.
Minha avó Olga Biscaia e minha madrinha Vera Regina Biscaia Leme, cobertas de areia. Em pé, o sobrinho e afilhado dos meus bisavós, Everaldo Trevisani e, ao seu lado, minha mãe Maria do Rocio Biscaia, em fins dos anos 1940.

Nesta foto, estou sobre o muro da casa dos meus avós em Guaratuba, em julho de 1962, entre minha madrinha Vera Regina Biscaia Leme e minha mãe Maria do Rocio Soffiatti Biscaia. Atrás é possível ver a casa vizinha do tios avós Zezé Biscaia de Macedo e Tobias de Macedo Junior.

 Eu, no colo de minha avó Olga Biscaia. Ao lado, minha bisavó Rosinha Klüppel Soffiatti e meu tio Mario Chalbaud Biscaia Junior, na varanda da casa de Guaratuba, em julho de 1962.

 A entrada da bela baía de Guaratuba: à direita, o cais do ferry-boat; à esquerda, a ilha do Rato e, ao fundo, Caiobá.

A baía de Guaratuba, emoldurada pela Serra do Mar, ao fundo.
Conheço Guaratuba, no litoral do Paraná, desde que posso me lembrar. Estive lá pela primeira vez em julho de 1962, com seis meses de idade, na casa de meus avós maternos, Olga e Mario Chalbaud Biscaia, na avenida Ponta Grossa, 1383 (antes número 1333), próxima à praia. A casa - que hoje não mais existe e deixou uma enorme saudade - foi construída em 1957 e hospedou cinco gerações da família Soffiatti Biscaia, durante quase cinquenta anos de temporadas inesquecíveis. 

Situada num amplo terreno, era espaçosa e confortável. Tinha paredes externas de lambris de madeira dupla horizontal (como as casas norte-americanas) e era pintada de marrom, com janelas, portas e colunas brancas por fora. Por dentro, tinha as cores da moda da época de sua construção: a sala grande era verde clara e havia quatro quartos, um azul; outro verde-escuro; outro amarelo e o quarto rosa, que pertencia aos meus avós. A cozinha era vermelha. Nos fundos, havia uma edícula com garagem e mais dois quartos, no mesmo estilo da casa. Mais tarde, meu tio, Arthur da Silva Leme Neto, mandou construir uma nova e ampla edícula nos fundos do terreno, com uma churrasqueira. Nessa casa, desfrutei de quase todas as férias de minha infância e juventude, por dezenas de verões e invernos.

A casa ao lado, construída pouco antes e projetada pelo famoso arquiteto paranaense Lolô Cornelsen, pertencia aos tios-avós, Maria José (Zezé) Biscaia de Macedo e Tobias de Macedo Junior, padrinhos de minha mãe, Maria do Rocio Soffiatti Biscaia. Tia Zezé era irmã de meu avô Mário Biscaia e eram inseparáveis. Por muitos anos, não existiu muro entre estas casas. Foi este mesmo tio avô, apelidado Biluzinho, que atravessou pela primeira vez um automóvel (um Studebaker) pela baía de Guaratuba, em cima de uma balsa improvisada, em meados da década de 1940.

Conheci o balneário já na era do ferry-boat, que ainda hoje* é o único meio de transporte de veículos e pessoas entre Caiobá e Guaratuba e foi inaugurado em 1960. Sempre fiquei maravilhado com a travessia dessa linda baía, quando criança. As embarcações eram batizadas com nomes de rios do Paraná: Iguaçu, Tibagi, Ivaí, estes os mais antigos de que me lembro. Depois vieram os maiores e mais modernos: Piquiri, Guaraguaçu e Nhundiaquara.

Antes do ferry só se chegava à cidade de carro pela rodovia Garuva-Guaratuba, através de Santa Catarina. A estrada foi rasgada no fim dos anos 1940 e inaugurada em 1950 e, até meados da década de 1970, não era asfaltada. Muito antes, desde a infância, minha avó Olguinha Biscaia já frequentava Guaratuba com seus pais, Rosinha e Guerino Soffiatti. Iniciaram suas idas a Guaratuba na década de 1920 e, pouco depois, adquiriram sua própria casa defronte à baía. Naqueles tempos, a travessia da baía se fazia em canoas, desde a prainha de Caiobá.

Guaratuba só despertou para o turismo, tornando-se um importante balneário, depois da segunda guerra mundial, quando foram finalmente erradicados os focos de malária (ou maleita, como dizia minha avó) que infestava o litoral paranaense. Até fins da década de 1940, nossa família só frequentava Guaratuba durante o inverno, quando não havia mosquitos. Para nós, a antiga cidade litorânea era um segundo lar. Minha bisavó Rosinha Klüppel Soffiatti, após o falecimento do bisavô Guerino Soffiatti, passou a residir permanentemente no balneário, nos seus últimos anos de vida, onde era muito querida e tinha inumeráveis afilhados.

As fotos acima, em cenários bucólicos e de praia quase deserta, onde aparecem meus avós, familiares e amigos, falam por si mesmas desses longínquos primeiros tempos de Guaratuba como cidade balneária, pelos anos de 1930 e 1940. Nas fotos acima, a bela baía de Guaratuba, na atualidade.


(*) Neste ano de 2024 foram iniciadas as obras de construção de uma ponte rodoviária sobre a baía de Guaratuba, com previsão de conclusão em dois anos. Minha avó Olguinha dizia que já se falava de tal ponte, desde que começara a visitar Guaratuba, em meados da década de 1920. A Constituição do Estado do Paraná de 1989 previu, no artigo 36 das suas disposições transitórias, a construção da referida ponte.   


Publicado em 19/03/2011.

quarta-feira, 6 de março de 2024

João da Matta Chapuzet: Um Patriota Lusitano

Página de introdução


Carta de João da Matta Chapuzet solicitando meios para si e para Ludgero José Villet voltarem à Portugal e combaterem pela restituição do trono à D. Maria II. A carta faz parte de um conjunto de documentos publicados pelo coronel Chapuzet em 1834, para comprovar que nunca foi atendido em seu pleito de regressar ao seu país e lutar pela restauração, em resposta às intrigas de seus adversários. A primeira imagem ao alto é a página de introdução do livro O Coronel Chapuzet aos seus Compatriotas - Memoria Justificativa e Documentada; Typograpia de Felippe Nery; Lisboa, 1834.    
Minhas pesquisas sobre as origens das famílias Peralta, Chapuzet e Villet revelaram um personagem interessante do qual já tratei em um post anterior e cuja ligação com nossos antepassados era para mim algo nebulosa, até agora. Trata-se do brigadeiro João da Matta Chapuzet, militar português, além de político, escritor, arquiteto e engenheiro. Graças a uma certidão que, mais uma vez, remeteu o atencioso primo Atalives de Resende, e às consultas que eu fiz junto a Biblioteca Nacional de Portugal, pude esclarecer nossas ligações familiares e, ao mesmo tempo, descobrir o caráter de um verdadeiro patriota lusitano.

João da Matta Chapuzet nasceu na freguesia da Lapa, em Lisboa, em 1777*, filho de Gertrudes e João Chapuzet. Sua irmã, Marianna Gertrudes Chapuzet casou-se com Ludgero José Villet, cujo filho homônimo vem a ser o pai da minha trisavô, Maria Adelaide de Burgos Chapuzet Villet, casada com o médico Antonio Botelho Peralta, patriarcas do nosso ramo brasileiro da família Peralta.

Chapuzet sentou praça no Regimento de Artilharia de Marinha em 16/11/1794. Frequentou a Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho e fez o 1º e 2º anos do curso matemático da Real Academia de Marinha. Como engenheiro e arquiteto militar, foi promovido ao posto de segundo-tenente no Real Corpo de Engenheiros, em 04/12/1796. São de sua autoria as plantas de algumas fortalezas de Portugal, como o forte de São Bruno de Caxias e o forte do Guincho.

Logo no início de sua carreira como oficial do exército português combateu na campanha do Alentejo, comandando uma "sortida com duas peças" de artilharia, em 5 de junho de 1801, durante o cerco de Elvas. Foi promovido, sucessivamente, ao posto de primeiro-tenente, em 13/05/1803; a capitão, em 13/12/1808; a major, em 11/08/1812; e a tenente-coronel em 12/10/1815. Neste período, tomou parte em seis campanhas da guerra contra a ocupação napoleônica na Península Ibérica, entre 1808 e 1815, conhecida como Guerra Peninsular. Recebeu por seus méritos bélicos todas as condecorações relativas a estas importantes campanhas militares.

Como reconhecimento pelos seus sacrifícios patrióticos, até o posto de major, dom João VI concedeu-lhe em 1816 as rendas vitalícias da administração da Capela da Coroa de Portalegre. Exerceu várias funções de comando e de estado-maior, sendo promovido ao posto de coronel em 18/12/1820. Era um entusiasta dos ideais liberais que deram origem à revolução constitucionalista de 1820, tendo participado da mesma.

Foi nomeado por dom João VI governador-geral das ilhas de Cabo Verde entre 1823 e 1826. Durante este período seu sobrinho (e meu tetravô), então alferes de infantaria, Ludgero José Villet¹, era o ordenança do governador. O governo do coronel Chapuzet no arquipélago foi marcado por uma administração honesta e por obras de modernização e de urbanização da cidade da Praia, a capital. Em 1826, foi eleito deputado da Nação Portuguesa às Cortes Gerais, representando Cabo Verde. Em junho de 1828, as Cortes Gerais instauraram o governo de usurpação de dom Miguel, revogando a constituição liberal de 1826, o que deu início à guerra civil portuguesa, que duraria até 1834.

Tomando o partido da causa liberal e da legitimidade de dona Maria II (dona Maria da Glória, filha de dom Pedro I do Brasil - Pedro IV de Portugal) que fora destituída do trono e se exilou em Londres e depois no Brasil, o coronel Chapuzet deixou sua família em Lisboa e partiu para um penoso exílio na Bélgica e França, enfrentando grandes dificuldades. Em Portugal, seguiu-se um período de ferozes perseguições políticas aos partidários da rainha. Também expatriado, meu tetravô Ludgero José Villet fez companhia ao tio, do início ao fim.

Quando dom Pedro organizou a expedição militar para recuperar o trono, em 1832, Chapuzet dirigiu à regência instalada na ilha Terceira dos Açores e aos seus representantes em Londres e Paris, diversos apelos para juntar-se às tropas e lutar em terras portuguesas pela restauração. Contudo, não logrou ser atendido. Chapuzet encontrava-se em graves dificuldades financeiras, devido à longa permanência no exílio, onde contraiu dívidas e não possuía recursos próprios para voltar a Portugal e combater ao lado das tropas leais à rainha, como desejava. Nos seus apelos, pedia, também, pelo seu sobrinho Ludgero José Villet, que sempre o acompanhou no longo desterro, conforme a carta acima publicada.   

Publicação do ato de nomeação de Chapuzet como governador interino da Torre de São Julião da Barra, após retornar do exílio em 1833 (Chronica Constitucional de Lisboa, nº 135 de 31/12/1833).

A fortaleza de São Julião da Barra em gravura de meados do século XIX

Conseguiu retornar, finalmente, à Lisboa em 12 de outubro de 1833, sendo reintegrado em suas funções militares. Por portaria assinada por dom Pedro, duque de Bragança, em 21/11/1833, foi nomeado governador interino da Torre de São Julião da Barra, fortificação que já comandara antes, e neste cargo permaneceu por alguns anos. Promovido ao posto de brigadeiro graduado em 24/07/1834, continuou ocupando cargos de alto prestígio militar, tendo sido comandante da 3ª Divisão Militar. Foi reformado com honras, em 05/09/1837, com mais de quarenta anos de serviço militar. O último cargo público que exerceu foi de governador da praça-forte de Elvas, entre 1838 e 1842, do qual foi exonerado em 07/02/1842.

Era, também, escritor e poeta, com algumas obras publicadas e referidas em dicionários bibliográficos da época. Foi casado com Felícia Mariana² Chapuzet e teve uma filha chamada Maria Guilhermina. Faleceu em 6 de agosto de 1842 e foi sepultado no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa.

Os feitos do brigadeiro João da Matta Chapuzet, seus escritos e sua trajetória na vida política e militar portuguesa daqueles tempos tormentosos, revelam um homem honesto e corajoso e, mais que isso, um leal servidor da sua pátria.         

*Considerando o antigo costume católico que existia, na Península Ibérica, de dar nomes aos filhos conforme o santo do dia do nascimento, é possível que Chapuzet tenha nascido em 17 de dezembro, dia de São João da Matta, ou em data próxima no mês de dezembro de 1777.  

¹ Minhas pesquisas recentes revelaram que o pai do tetravô Ludgero José Villet (também homônimo deste), faleceu pouco antes deste nascer, em 1805. Assim, João da Matta Chapuzet criou o sobrinho, filho de sua irmã, como se fora seu próprio filho, dando-lhe orientação e apoio enquanto viveu.       

² Felícia Mariana (Villet) Chapuzet era irmã do meu tetravô Ludgero José Villet e de Mariana Gertrudes Villet (homônima da mãe que se casou no arquipélago de Cabo Verde, em 19/01/1824, com Pedro Paulo da Silveira e Castro, capitão do batalhão de caçadores e comandante da primeira companhia provisória do Exército português, em Cabo Verde). João da Matta Chapuzet desposou sua sobrinha (filha de sua irmã Mariana Gertrudes Chapuzet Villet), que ficara órfã ainda criança. Esses casamentos não eram incomuns, na época. 
A esposa do coronel Chapuzet, então governador de Cabo Verde, protagonizou um rumoroso caso de adultério com um cirurgião militar, que ficou famoso naquelas ilhas e foi mencionado no romance histórico "O Senhor das Ilhas" de Maria Isabel Baleno (Editorial Caminho S/A, Lisboa, 1994) e em outro mais recente. O cirurgião foi preso e acabou morrendo na prisão. Há alguns documentos nos arquivos históricos portugueses que se referem ao caso. Chamam a atenção, em documentos da época, as manifestações do bispo de Cabo Verde, dom Jerônimo Barco da Soledade, que insistia com veemência na reconciliação do casal Chapuzet.  

Republicado em razão de novas pesquisas.
    

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Maria José Ribeiro e João dos Santos Biscaia

Assento do batismo de João dos Santos Biscaia, realizado em 04/06/1843, aos dois meses de idade, na matriz de Nossa Senhora da Luz de Curitiba (*).
Assento do casamento de João dos Santos Biscaia e Maria José Ribeiro, na Matriz de Curitiba, em 15/09/1866, celebrado pelo vigário, o conhecido padre Agostinho Machado Lima. O casal tinha relação de parentesco consanguíneo em terceiro grau colateral.  

Almanak da Província do Paraná - 1878


O Dezenove de Dezembro - Nov/1872 
 

Os trisavós João dos Santos Biscaia e Maria José Ribeiro, em fotografia¹ de meados do século XIX. Ambos eram naturais de Curitiba, sendo que a família de Maria José descendia de Mateus Leme e Baltazar Carrasco dos Reis, fundadores da vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, no fim do século XVII. Ele era filho do capitão Manoel Rodrigues Biscaia e de Maria Francisca dos Santos, residentes no distrito do Capão Raso; e ela, filha de João Ribeiro Baptista e de Rosa Maria de Jesus, todos naturais de Curitiba.
Fotografia da área central de Curitiba (c.1870). Ao fundo destaca-se a Matriz.
                            
A capital da província, em fins do terceiro quartel do século XIX, segundo o Almanak da Província do Paraná, contava com perto de 3.000 habitantes no seu núcleo urbano e com 12.651 em todo o município, conforme o censo de 1872. A comarca de Curitiba (que em 1870 abrangia os territórios de outros municípios, além da capital) reunia "24.664 almas". O aumento populacional já refletia os primórdios da colonização italiana na região.

João dos Santos Biscaia era comerciante e proprietário na capital e ocupou a patente de capitão da Guarda Nacional. Teve participação ativa na vida social e política da cidade. Era um dos próceres do partido Liberal e exerceu o cargo de vereador e de fiscal da Câmara Municipal de Curitiba², a qual, nos tempos do Segundo Império, além das funções legislativas, desempenhava aquelas que atualmente competem às prefeituras municipais. Disputou, ainda, uma cadeira na assembleia provincial. Foi, também, irmão mesário³ da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.

Lápide de João dos Santos Biscaia no jazigo da família Biscaia, no cemitério municipal de Curitiba, onde consta o nascimento em 06/03/1842 (*).

O trisavô João nasceu em 1843 (conforme o assento de batismo) e faleceu em 1891. A trisavó Maria José nasceu em 1846 e faleceu em 1921. Casaram-se em 15/09/1866, em cerimônia oficiada pelo vigário da Matriz, o padre Agostinho Machado Lima. 

Tiveram vários filhos, entre eles meu bisavô, João dos Santos Biscaia, homônimo do pai, nascido em 1881, que se casou com a bisavó Josefina (Finita) Chalbaud Biscaia. Minha bisavó Finita conviveu muitos anos com sua sogra, a trisavó Maricota como era conhecida, e contava as suas histórias para os seus filhos e netos.          

Francisco Negrão, em sua conhecida obra "Genealogia Paranaense", edição de 1950 da Impressora Paranaense, volume 1, pág. 573, afirma que João dos Santos Biscaia nasceu em 06/03/1842. No mesmo volume, à página 569, escreve que ele nasceu em 04/06/1843. O assento do batismo (único registro oficial com fé pública na época) certifica que ele foi batizado pelo vigário da Matriz, o padre Antonio Teixeira Camello, no dia 04/06/1843, com dois meses de idade, o que permite concluir que seu nascimento ocorreu no início de abril de 1843.     
¹ A fotografia dos trisavós João e Maria José foi obtida pelo meu primo, o advogado e pesquisador Arthur Virmond de Lacerda Neto (neto materno de Antonio Chalbaud Biscaia), em suas pesquisas genealógicas familiares.
² Menos de um século depois, seus netos Antonio Chalbaud Biscaia e Evaristo Chalbaud Biscaia seriam, respectivamente, deputado federal pelo Paraná e vereador em Curitiba. (Vide Os Irmãos Chalbaud Biscaia).    
³  Os irmãos mesários eram membros de um órgão de natureza deliberativa na estrutura administrativa das Irmandades das Santas Casas de Misericórdia, eleitos pelos membros da irmandade.     



sábado, 2 de dezembro de 2023

A Família Peralta em Curitiba

Meu pai, Carlos Henrique Peralta, à direita, e os irmãos, na casa da praça do Japão.

Minha avó Dyrce Peralta, na casa da rua Acyr Guimarães, em frente à futura praça do Japão, em fins dos anos 1940. Sobre o muro está meu tio, Cláudio Victor Peralta, nascido em Curitiba.
Meu pai, Carlos Henrique Peralta, em pé, na entrada do Colégio Belmiro César, em Curitiba, em fins da década de 1940. Sentado à esquerda, seu colega José Joaquim, que foi conhecido engenheiro e construtor nesta cidade.  
Arthur Carlos Peralta e sua família tinham por Curitiba e pelo Paraná uma relação de amor à primeira vista. Ele esteve pela primeira vez na capital paranaense em fins de 1937, como primeiro-tenente aviador, para servir no 5º Regimento de Aviação, no bairro do Bacacheri. Nesta época, hospedavam-se numa pensão familiar, onde ficavam os oficiais servindo em Curitiba, localizada bem no centro da cidade e que, segundo minha avó Dyrce, pertencia uma senhora de origem francesa¹. Na ocasião, o destacamento aéreo do Bacacheri ainda não tinha acomodação para seus oficiais. 

Aviador já experimentado, sua principal missão, naquela época, foi pilotar aviões que participariam de programa de levantamento aerofotogramétrico para o Departamento Nacional de Terras e o Ministério da Guerra a fim de determinar e plotar as locações mais adequadas para a construção de aeródromos pioneiros no Paraná e em Santa Catarina, para apoiar a ocupação destes territórios e ampliar a abrangência do Correio Aéreo. O interior desses estados sulinos ainda era coberto por extensas florestas nativas e, na maior parte, inabitado e inóspito. Com isso, foi ele quem determinou onde seriam os aeroportos pioneiros de Jacarezinho, Londrina, Foz do Iguaçu, no Paraná; Lages, em Santa Catarina, entre outros. Neste período, realizava ainda, todas as rotas do Correio Aéreo Militar (CAM), depois Correio Aéreo Nacional, que partiam de Curitiba.


Fotos aéreas da inauguração do campo de aviação de Jacarezinho (PR) - 28/03/1938


Sobrevoando as Cataratas do Iguaçu - início dos anos 1940 - 

No filme de propaganda da CEF, abaixo, cenas de Curitiba em meados da década de 1930, época em que a família Peralta conheceu a capital do Paraná.  

Com seu estilo bem-humorado, expansivo e desinibido, típico dos cariocas, marcou sua presença na gelada capital do Paraná. Numa Curitiba pequena e provinciana, no fim dos anos 1930, meu avô comparecia ao tradicional cafézinho dominical da rua Quinze, em mangas curtas de camisa, bermudas e chinelos, para espanto e admiração dos curitibanos antigos que usavam terno escuro e chapéu, mesmo em pleno verão. Graças ao seu temperamento e liderança, desenvolveu nesta cidade um enorme relacionamento social e amizades próximas e duradouras com pessoas saudosas como Azis Surugi, José Muggiati Sobrinho, Carlos  Orlando Loyola, Eduardo Karam, Jovelino Cerqueira Leite, Carlos Mocellin, entre muitos outros.

Notícia da página de esportes do jornal O Dia de 14/08/1946
Meu avô era um esportista laureado, tendo sido campeão de basquete e atleta multipremiado do Tijuca Tênis Clube, do Rio de Janeiro, em diversas modalidades, do qual recebeu o título benemérito de Atleta Número 1. Este tradicional clube carioca instituiu, em junho de 1956, o Troféu Peralta, em sua homenagem, o qual era concedido aos atletas que mais se destacavam em dedicação, disciplina e eficiência, em cada atividade desportiva. Sendo grande entusiasta do basquete, foi convidado para integrar o time desta modalidade, que existia no Coritiba FootBall Club, que tornou-se o seu clube de futebol preferido na cidade. Jogou, também, pelo Ícaro Atlético Clube, do qual foi presidente de honra.

O casal Peralta e seus amigos em Curitiba: nesta foto, com Idalina e Jovelino Cerqueira Leite. No centro da foto ao alto e, na foto do meio à esquerda, está José Muggiati Sobrinho.    
Sempre que surgia a oportunidade, voltava a servir em Curitiba. Por diversas outras vezes foi comandante da unidade aeronáutica do Bacacheri, a velha base aérea, em suas diferentes etapas, desde o 5º R.Av. à EOEIG, em quase todos os postos, de major a brigadeiro. Pretendia morar em Curitiba, após sua aposentadoria e chegou a construir uma casa, que ele mesmo planejou e desenhou, na rua vereador Garcia Rodrigues Velho, no bairro do Cabral que ainda existe, já desfigurada do seu aspecto original. Um de seus filhos, Cláudio Victor, nasceu em Curitiba, na conhecida Maternidade Victor do Amaral. Outros dois, casaram com filhas da terra curitibana. Minha mãe, Maria do Rocio Biscaia, curitibana, conheceu meu pai, Carlos Henrique Peralta, em Guaratuba (PR), na casa de José Muggiati Sobrinho, amigo comum dos meus avós.

A família Peralta morou em diversos lugares da cidade: na atual rua Acyr Guimarães, na esquina com o que hoje é a praça do Japão; na alameda Augusto Stellfeld; na rua Capitão Souza Franco, esquina com Carlos de Carvalho; e na avenida Munhoz da Rocha. Meu pai e meus tios estudavam no famoso Colégio Belmiro César, que educou gerações curitibanas. Muitos netos e bisnetos do casal Peralta nasceram e vivem em Curitiba, atualmente. Mesmo depois da morte de meu avô, minha avó Dyrce Peralta voltou a residir em Curitiba por algumas vezes. Comprou um apartamento e dividiu-se entre Niterói, no inverno, e Curitiba, no verão. 

Amigos curitibanos reunidos na casa que meu avô construiu, nos primeiros anos da década de 1950, na rua vereador Garcia Rodrigues Velho, no bairro do Cabral, na capital do Paraná. Nesta foto, Azis e Aracy Vianna Surugi. 

 Convite da missa de sétimo dia do falecimento de meu avô, mandada celebrar por alguns de seus muitos amigos curitibanos  
O desejo de terminar seus dias em Curitiba acabou por se concretizar, embora, muito prematuramente. Faleceu nesta cidade, em outubro de 1966, quando comandava a Escola de Oficiais Especialistas e de Infantaria de Guarda (EOEIG) e presidia o Círculo Militar do Paraná, numa festa em sua homenagem, organizada pelos bolicheiros do clube. Preparava-se, na ocasião, em atender ao convite para ocupar o cargo de ministro da Aeronáutica, formulado poucos dias antes pelo general Arthur da Costa e Silva, que acabara de ser oficialmente designado presidente da República, pelo colégio eleitoral da época. Foi promovido, postumamente, ao posto de Marechal-do-Ar e encontra-se sepultado na cripta do Monumento aos Aviadores, dedicado à perpetuar a lembrança dos pioneiros da aviação brasileira, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.

Após a sua morte, o prefeito Ivo Arzua Pereira, denominou uma das ruas do bairro Boa Vista em sua memória, em linha com uma das cabeceiras da pista da base do Bacacheri. Em São Paulo, o prefeito Faria Lima fez o mesmo, com uma rua do bairro Casa Verde; e, em São José dos Pinhais (PR), o prefeito Francisco Ferreira Claudino, homenageou-o com uma importante via central da cidade. O conhecido Palácio de Cristal, ginásio de esportes do Círculo Militar do Paraná, planejado em sua gestão à frente do clube, chama-se ginásio brigadeiro Arthur Carlos Peralta. Em 1967, a Assembleia Legislativa do Paraná concedeu-lhe o título post mortem de cidadão honorário deste estado.          

¹ Minha avó Dyrce Peralta referia-se à esta pensão com a pronúncia Demarré e a uma certa madame Demarré, que seria sua proprietária. Não estou certo sobre a grafia correta deste sobrenome, mas, havia em Curitiba e arredores famílias com sobrenomes Desmarais e Demarest, que se pronunciam de modo parecido em francês. Nunca encontrei maiores informações sobre esta pensão que se situava, segundo minha avó, em fins dos anos 1930, na atual rua Marechal Deodoro esquina com a rua João Negrão, no centro de Curitiba. Segundo ela, muitos oficiais do Exército, sediados em Curitiba, hospedavam-se ali. Sabe-se que, comprovadamente, neste local funcionou uma conhecida pensão chamada mais tarde Nossa Senhora Aparecida, mas desconheço que eram seus proprietários. Também existiu uma pensão familiar na esquina da rua Conselheiro Laurindo com a rua XV de Novembro, no exato local onde hoje se ergue o conhecido edifício Marumbi.       

Post publicado em junho/2011 e republicado.

domingo, 8 de outubro de 2023

Guaratuba: A Família Soffiatti e Guido Viaro


A família de Guerino Soffiatti e amigos em Guaratuba, no litoral do Paraná, no inverno de 1941. Nesta foto, pertencente ao meu acervo, do lado esquerdo, de óculos, está meu bisavô Guerino Soffiatti. Ao seu lado, a tia-avó Diva Bührer Soffiatti, minha avó Olga Soffiatti Biscaia, minha bisavó Rosinha Klüppel Soffiatti e a tia-avó Helena Carolina Soffiatti. No colo de minha bisavó, está minha mãe, Maria do Rocio Soffiatti Biscaia. Atrás, de chapéu, o conhecido pintor Guido Viaro, amigo da família que passava temporadas hospedado na casa de Rosinha e Guerino, em Guaratuba, com seus familiares. 

Nesta foto, Guido Viaro aparece ao fundo à esquerda, sentado em frente ao seu cavalete, pintando uma tela embaixo de um guarda-sol, em Guaratuba, em fins dos anos 1930. Em primeiro plano estão meus bisavós Guerino e Rosinha Soffiatti. Logo atrás à direita, meus avós Olguinha e Mário Biscaia, entre outros familiares. (Foto do acervo do tio avô Amanzor Soffiatti e cedida pela prima Tânia Soffiatti).

Ao longo dessas temporadas em Guaratuba, Guido Viaro passava o tempo pintando paisagens locais, sendo que algumas dessas obras foram presenteadas à nossa família e se encontram em nosso acervo, até os dias atuais. Uma delas, datada de 1946, retrata minha mãe, ainda criança, sentada num banco ao lado de uma vizinha, em frente à casa dos meus bisavós, tendo por pano de fundo a belíssima baía de Guaratuba. Outra retrata o plano geral da baía de Guaratuba, visto da casa de meus bisavós, contendo o antigo trapiche e ao fundo a ilha do Rato e o morro do outro lado da baía, onde anos mais tarde seria construído o porto de passagem para a travessia Caiobá-Guaratuba por meio do ferry-boat.

Naquele tempo, a temporada de praia acontecia durante o inverno e era uma oportunidade para fugir do rigoroso frio curitibano. No verão, a "maleita" infestava nosso litoral e só foi erradicada após a segunda guerra mundial, com o despejo aéreo de enormes quantidades de inseticidas altamente tóxicos que afetaram a saúde de centenas de habitantes da região. Depois da erradicação dos focos desses insetos, as temporadas de veraneio no litoral começaram a atrair um número crescente de pessoas. Hoje milhões de veranistas lotam a orla litorânea do Paraná, todos os anos.

Guerino Soffiatti era frequentador de Guaratuba desde meados da década de 1920. Inicialmente, hospedava-se com sua família na antiquíssima Pensão Antonieta, após uma longa e atribulada viagem de trem à Paranaguá e de "diligência" até a prainha de Caiobá, onde embarcavam em canoas - pertencentes a um alemão de sobrenome Krüger - rumo à Guaratuba. Para avisar os canoeiros atracados em Guaratuba, da chegada dos viajantes que desejavam fazer a travessia, soltavam rojões na prainha de Caiobá.

Na foto, o ônibus tipo jardineira, da empresa Pássaro Azul, que ligava Paranaguá a Matinhos pela "estrada da Praia de Leste", entre os anos 1930/40. Como se observa nesta foto, ao longo do trecho entre  Praia de Leste e Matinhos, o ônibus rodava pela faixa de areia dura da praia, à beira mar, após a vazante da maré. Aqui, a jardineira aparece encalhada na areia da praia.

Os Soffiatti adquiriram a sua casa por volta de 1930, diante da baía de Guaratuba e partir disso, viajavam regularmente ao balneário. A casa era enorme, com dois pavimentos, e estava sempre cheia de convidados, parentes e visitantes. Segundo minha avó, a cozinha funcionava sem parar, o dia inteiro, para atender aos comensais. Essa casa ainda existe e pertence à família Soffiatti.

Além de amigos, meu bisavô Guerino Soffiatti Guido Viaro, eram ambos italianos da região do Vêneto: Guerino nasceu na província de Verona e Viaro na província de Rovigo. Outra curiosidade sobre aqueles tempos, é que meu bisavô jamais abjurou sua cidadania italiana e nunca se naturalizou brasileiro. Por isso, após a declaração de guerra do Brasil aos países do Eixo em agosto de 1942, ele precisava pedir autorização às autoridades policiais e obter um "salvo-conduto" para deslocar-se ao litoral, considerado área de segurança nacional em tempos de guerra. Conservando a cidadania italiana, transmitiu-a aos seus descendentes.    

(Clicar nas fotos para ampliar).      
      

Publicada em setembro/2010. Atualizada em outubro/2023.

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Os Anos 1940/1950: As Décadas Douradas em Curitiba



Vídeo sobre Curitiba - 1949


Edifício do Clube Curitibano 


Anuncio de vendas do edifício João Alfredo em 27/08/1944 no jornal Gazeta do Povo (*)

Edifício João Alfredo em construção, em foto de1948


Publicação no DOU da nomeação do major aviador Arthur Carlos Peralta, como comandante da base aérea de Curitiba, em junho de 1946.

Nota do Diário do Paraná sobre a nomeação do major aviador Arthur Carlos Peralta comandante da base aérea de Curitiba, em junho de 1946.

Notícia na página de esportes do jornal O Dia, de 14/08/1946 
Notícia do jornal carioca "A Noite", de 20/12/1948, sobre a visita do presidente Dutra à capital do Paraná.

No pátio de aeronaves do aeroporto Afonso Pena, autoridades aguardam o pouso do avião que trazia o presidente Café Filho para a inauguração do Palácio Iguaçu, em 19/12/1954. Meu avô, então tenente-coronel aviador, aparece com o braço erguido. No mesmo grupo está o governador Bento Munhoz da Rocha Netto, de chapéu. No centro da foto, o general Sady Folch e o prefeito Ney Braga que conversa com o então ministro da saúde, Aramis Athayde. Mais à esquerda, o arcebispo de Curitiba, dom Manuel da Silveira Delboux e oficiais da Casa Militar do governo do Paraná. (clique na foto para ampliar).   

O Palácio Iguaçu na noite de sua inauguração, em 19/12/1954. 
"Diário do Paraná" - 12/06/1955

Noticia do Paraná Esportivo, de 18/03/1957, comentando a partida de Curitiba do  recém-promovido coronel aviador Arthur Carlos Peralta, após um longo período de convívio na capital do Paraná. Ele voltaria a Curitiba, em 1965 para, outra vez, comandar a EOEIG, já como oficial-general da Força Aérea Brasileira.

CLICAR NAS FOTOS PARA AMPLIAR

A Curitiba dos anos 1940 e 1950 foi emblemática para quem nela viveu. As histórias de família falam desta época com saudade e um orgulho nostálgico. A capital do Paraná, pouco a pouco, deixava para trás o pequeno e provinciano vilarejo das primeiras décadas do século XX e ia revelando a importância crescente da economia cafeeira para o estado, que trouxe o desenvolvimento e a modernização em sua face urbana e modificou os costumes e hábitos dos curitibanos.

A partir da segunda metade da década de 1940 surgiram os primeiros “arranha-céus” rivalizando com os prédios mais modestos construídos nas décadas anteriores, como o edifício Moreira Garcez. Dentre estas construções mais altas, que se destacavam na silhueta ainda horizontal da cidade, estavam o edifício Marumby, situado na praça Santos Andrade; o magnífico edifício do Clube Curitibano, na rua Barão do Rio Branco, luxuoso e impressionante para a época; o edifício Santa Julia, na praça Osório; e o edifício João Alfredo, na praça Zacarias. Este último, foi construído por incorporação do tio-avô Evaristo Chalbaud Biscaia, que era vereador na capital; e de seu cunhado, Joffre Cabral e Silva, um visionário empreendedor curitibano, que presidiu o Clube Curitibano e o Clube Atlético Paranaense e, mais tarde, fundaria o Santa Mônica Clube de Campo, na década de 1960. O edifício João Alfredo foi erguido sobre o terreno ao que pertencia ao pai de Joffre, o conhecido médico João Alfredo Silva, que também presidiu nosso glorioso Furacão e foi o principal incorporador da obra.

O governo de Bento Munhoz da Rocha Netto (1951/1955) lançou as bases da histórica transformação social, cultural e política do Paraná e sua capital, nesta Era Dourada. O símbolo desta fase de pujança econômica e desenvolvimento foi a realização do projeto do Centro Cívico, que reuniria o conjunto de todas as edificações dos três poderes estaduais numa grande área da capital, que começou a ser construído no início dos anos 1950. Bem assim, o fabuloso Teatro Guaíra, situado no centro da cidade, que só foi concluído em 1974 e seria por muito tempo o maior do Brasil. 

Em 1953, comemorou-se o centenário da emancipação política do Paraná com uma grande Exposição Mundial do Café, em Curitiba. O belo e moderno Palácio Iguaçu, sede do governo estadual, foi inaugurado em 19/12/1954. O edifício da Biblioteca Pública do Paraná, também foi aberto ao público neste ano, juntamente com vários outros prédios públicos estaduais, todos com projetos arquitetônicos modernistas. As obras de alguns edifícios públicos sofreram atrasos em sua conclusão, em razão das consequências econômicas da terrível geada que se abateu sobre os cafezais do Paraná, em 1955, que se refletiu na vertiginosa queda de arrecadação do estado, totalmente dependente da cultura do café.

Entre as décadas de 1940 e 1950, meus avós Dyrce Arthur Carlos Peralta e seus filhos, residiram por um longo período em Curitiba. A partir de 1946, foi comandante da base aérea do Bacacheri  e do 12º Grupo de Aviação e, depois, subcomandante e comandante interino da Escola de Oficiais Especialistas e de Infantaria de Guarda (EOEIG), criada no início da década de 50. Em 1948, nasceu em Curitiba, o filho caçula do casal Peralta, Cláudio Victor, o único curitibano entre eles. Durante este tempo de convívio na capital do estado fez inúmeras amizades e criou um profundo amor pela cidade, que cultivaria pelo resto de sua vida. Por isso mesmo, nesta época, meu avô construiu uma casa situada na rua vereador Garcia Rodrigues Velho, no bairro do Cabral, onde pretendia morar quando encerrasse sua carreira militar. 

Foi, também, em meados da década de 1950 que minha mãe, Maria do Rocio Soffiatti Biscaia e, meu pai, Carlos Henrique Peralta se conheceram, em Guaratuba, no litoral do Paraná, na casa de José Muggiati Sobrinho, amigo comum dos meus avós paternos e dos meus avós maternos, Olga Mario Chalbaud Biscaia, cujas famílias eram originárias de Curitiba.

Uma curiosidade sobre esses tempos foi que meu avô Peralta, então tenente-coronel aviador, trouxe do Rio de Janeiro, no início dos anos 1950, um grupo de instrumentistas criteriosamente escolhidos para organizar a banda de música da EOEIG, um projeto que acalentava com muito entusiasmo. Isso só foi possível após inúmeras e insistentes gestões que fez junto ao Ministério da Aeronáutica para obter a dotação orçamentária para a realização do projeto. A banda da EOEIG ficaria famosa pela excelência da qualidade das suas apresentações em solenidades públicas, festividades e eventos sociais. Seus músicos, de notável talento, vieram a influenciar decisivamente o ambiente artístico e musical da próspera capital do Paraná, cuja vida noturna desabrochava, tocando em algumas das mais festejadas boates, os primeiros night clubs de Curitiba. Entre esses músicos estava Raul de Souza, que depois se tornaria um artista muito aplaudido, através de uma carreira de sucesso internacional.

O vídeo ao alto, mostra alguns aspectos da vida da cidade, entre os anos 1940/1950, ainda tranquila, já exibindo os sinais do desenvolvimento que iria transformá-la completamente ao longo das décadas seguintes. A Curitiba daqueles tempos tinha em torno de 6.400 veículos registrados, incluindo automóveis, caminhões, ônibus e motocicletas. Uma cidade muito diferente daquela onde hoje vivemos em que já não há tempo para admirar seus encantos, aprisionados em intermináveis engarrafamentos, com quase um automóvel para cada habitante.     


(*) O edifício João Alfredo teve sua construção iniciada em 1944, quando estava em vigor o Decreto Federal n° 4.098/1942 que exigia que os edifícios acima de cinco pavimentos tivessem abrigos antiaéreos (art. 3°, inciso I), como está estampado no anúncio acima. Em 1944, a Segunda Guerra Mundial estava ainda em pleno curso).
                      
Post republicado e atualizado.