A casa da rua Lamenha Lins, 203, no dia da sua inauguração. A casa visível à direita pertencia ao tio-avô Antonio Chalbaud Biscaia. |
A fachada da casa vista de outro ângulo. No canto direito da foto, aparece a ponta do automóvel de meu avô, um Plymouth Special de Luxe, 1947, azul marinho, placas 20-30, apelidado de Buck Jones. |
Das melhores lembranças que
guardo, uma delas é a casa da rua Lamenha Lins, número 203, em Curitiba, que
pertenceu aos meus saudosos avós, Olguinha e Mario Chalbaud Biscaia. Inaugurada em julho de
1955, foi construída sobre dois lotes, desmembrados de um imóvel maior, que já
pertencia à família Biscaia desde meados do século XIX, situado na confluência
das ruas Doutor Pedrosa e Lamenha Lins e que foram sendo adquiridos pelos
descendentes.
No início do século passado, do lado oposto da Dr. Pedrosa, existia um engenho de mate da família de Ascânio Miró, onde seu filho de mesmo nome construiu sua residência em meados dos anos 1930, há anos substituída por um grande prédio de hotel. Ao longo desta via residiam outros ervateiros, como Joaquim da Silva Sampaio, casado com Maria Carmen Chalbaud, irmã da minha bisavó, que viviam no número 134, numa mansão chamada Villa Maria, também próxima da rua Lamenha Lins, onde hoje se ergue o edifício Vitória Régia.
As antigas casas da rua Dr. Pedrosa, muitas das quais cheguei a conhecer na minha infância, já não mais existem e foram sucedidas por grandes edifícios. Ao tempo em que escrevo este post, naquela quadra da rua Lamenha Lins, restaram apenas os prédios construídos pelos tios avós Narciso e Frederico; a casa dos meus avós; a casa do advogado Arthur Faria de Macedo; e a casa do advogado João Baptista Nogueira e sua esposa Marina Chalbaud Carrano Nogueira, prima irmã de meu avô, a qual é ainda habitada por primos nossos.
Meus bisavós, Josefina Chalbaud Biscaia e João dos Santos Biscaia, residiam na rua Doutor Pedrosa, 203 (antes número 173) onde antes viveram meu trisavô, que também se chamava João dos Santos Biscaia e minha trisavó Maria José Ribeiro, a Maricota, que ali residiu até falecer em 1921. Esta casa antiga, uma das únicas que ainda remanescem na região, foi construída por meu trisavô em meados do século XIX. Ali nasceu meu bisavô, em 1881; e mais tarde, nasceram meu avô, seus cinco irmãos e uma irmã.
Os irmãos do meu avô, Narciso e Frederico Chalbaud Biscaia construíram um prédio de apartamentos ao lado daquela casa, na esquina com a rua Lamenha Lins, em lote que pertencia à tia deles, irmã do meu bisavô, Maria dos Anjos Biscaia (a tia dos Anjos) que morreu solteira. O irmão mais velho de meu avô, Antonio Chalbaud Biscaia, no começo dos anos 1940, construiu a residência de sua família (número 213) no terreno vizinho ao qual meu avô construiria a sua própria casa.
No início do século passado, do lado oposto da Dr. Pedrosa, existia um engenho de mate da família de Ascânio Miró, onde seu filho de mesmo nome construiu sua residência em meados dos anos 1930, há anos substituída por um grande prédio de hotel. Ao longo desta via residiam outros ervateiros, como Joaquim da Silva Sampaio, casado com Maria Carmen Chalbaud, irmã da minha bisavó, que viviam no número 134, numa mansão chamada Villa Maria, também próxima da rua Lamenha Lins, onde hoje se ergue o edifício Vitória Régia.
As antigas casas da rua Dr. Pedrosa, muitas das quais cheguei a conhecer na minha infância, já não mais existem e foram sucedidas por grandes edifícios. Ao tempo em que escrevo este post, naquela quadra da rua Lamenha Lins, restaram apenas os prédios construídos pelos tios avós Narciso e Frederico; a casa dos meus avós; a casa do advogado Arthur Faria de Macedo; e a casa do advogado João Baptista Nogueira e sua esposa Marina Chalbaud Carrano Nogueira, prima irmã de meu avô, a qual é ainda habitada por primos nossos.
Meus bisavós, Josefina Chalbaud Biscaia e João dos Santos Biscaia, residiam na rua Doutor Pedrosa, 203 (antes número 173) onde antes viveram meu trisavô, que também se chamava João dos Santos Biscaia e minha trisavó Maria José Ribeiro, a Maricota, que ali residiu até falecer em 1921. Esta casa antiga, uma das únicas que ainda remanescem na região, foi construída por meu trisavô em meados do século XIX. Ali nasceu meu bisavô, em 1881; e mais tarde, nasceram meu avô, seus cinco irmãos e uma irmã.
Os irmãos do meu avô, Narciso e Frederico Chalbaud Biscaia construíram um prédio de apartamentos ao lado daquela casa, na esquina com a rua Lamenha Lins, em lote que pertencia à tia deles, irmã do meu bisavô, Maria dos Anjos Biscaia (a tia dos Anjos) que morreu solteira. O irmão mais velho de meu avô, Antonio Chalbaud Biscaia, no começo dos anos 1940, construiu a residência de sua família (número 213) no terreno vizinho ao qual meu avô construiria a sua própria casa.
A casa dos meus avós situava-se entre a praça Rui Barbosa, no centro, e o bairro do Batel. Na prática, tinha três andares, com um grande porão habitável. O projeto e a execução couberam à construtora do engenheiro Julio César de Souza Araújo. A casa exibia os traços elegantes da arquitetura moderna, com detalhes típicos das construções dos anos 1950. Antes da construção dessa casa, meus avós Olga e Mário, haviam residido, primeiro, com os pais de minha avó, na rua conselheiro Barradas, 626 (vide post) e depois, na casa dos pais do meu avô, na rua Dr. Pedrosa, 203. Minha avó contava que um dos momentos mais felizes de sua vida foi quando deitou-se na cama olhando o teto, após os trabalhos mudança e de arrumação da casa nova, que era só deles, pela primeira vez na vida. Na ocasião, ela estava grávida do último filho que nasceu em dezembro daquele ano.
Passei quase toda minha infância e parte da adolescência naquela casa, onde fui morar em fevereiro de 1969, quando viemos de Niterói para Curitiba. Mesmo antes disso, lembro-me da casa, quando viajávamos do Rio para Curitiba de carro, chegando à noitinha, após doze horas de estrada, um cheiro de café vinha da copa, onde meus avós nos esperavam para o jantar. Tinha quartos espaçosos, uma varanda ensolarada e um quintal com arvores frutíferas, com uma pereira, uma ameixeira e, até mesmo, uma árvore de grape-fruit, cuja muda foi presenteada ao meu avô por um amigo americano. Tinha, também, um cafeeiro viçoso, mas, que pouco florescia e dava frutos atrofiados e insípidos, no clima hostil da capital paranaense. Minha avó dedicava-se com cuidado especial ao jardim e suas flores e a uma pequena horta, nos fundos do quintal.
Nascida numa propriedade rural em Itaperuçu, nos arredores de Curitiba, filha e neta de imigrantes alemães e italianos - das famílias Klüppel e Soffiatti -, minha avó aprendeu com eles que nada podia ser desperdiçado, sobretudo quando se tratava de alimentos. Fazia conservas e doces de todos os tipos de frutas e legumes, que guardava num armário no porão para consumir ao longo do ano. Da uva, pêssego, ameixa e outras frutas, nada se perdia. Do fruto, fazia geleias, sucos ou conservas. O bagaço, o caroço e o talo viravam adubo na horta. Nesta havia couve, alface, salsinha, cebolinha e outros. Dos legumes fazia conservas e picles. As massas, do espaguete e talharim, ao ravióli e lasanha, todas saíam de uma “máquina” à manivela, atarraxada na extremidade de uma mesa projetada para isso, após amassadas, alisadas e cortadas, com zelo e afinco. Da sua cozinha, vinham aromas que ainda sinto em minhas narinas.
Lembro-me do perfume e das cores interiores da casa. Das portas com relevos retangulares e da porta de correr da sala de visitas, com vidros quadrados bisotados, sempre trancada e que imitei, depois, na minha própria casa. Do cheiro de cerejeira dos móveis da sala de jantar, da cristaleira, da mesa maciça, com cadeiras cinza de encostos vazados e pernas-palito, que minha avó orgulhava-se de que foram feitos sob medida na renomada Fábrica de Móveis Paciornik, situada ali próxima, na rua Dr. Pedrosa, na mesma quadra da casa. Embaixo da escada, havia um armário embutido, misterioso para mim, onde meu avô guardava bebidas, cigarros, chapéus, sobretudos e as estranhas galochas, infalíveis em Curitiba.
Os sons da campainha da rua, das campainhas internas de serviço e do telefone de baquelite negro em cima de uma mesinha ao pé da escada, todas com seus toques característicos, ainda ressoam nos meus ouvidos. Havia rádios, com design streamline, do pós-guerra e da década de 1950, em baquelite e galalite, além de um televisor Empire com seu gabinete em madeira de lei, com portas para proteger a tela, o qual meu avô comprou na mesma semana da inauguração da transmissão de programas de televisão em Curitiba, em 1960, pela TV Paranaense - Canal 12.
Do fundo da minha memória, o que resta da velha casa dos meus avós são as vozes, os odores, os sons, as cores e os seus próprios vultos reluzentes naquele lar em que foram felizes para sempre e onde passei parte importante de minha vida. Quando deixei a casa para morar em um apartamento em julho de 1976, num dia claro de sol aquecendo o úmido inverno curitibano, o que provocava um fenômeno de condensação que fazia as paredes "suarem" e escorrerem, minha avó me disse que "eram as lágrimas da casa, que chorava a nossa partida".
Por vezes ali retorno e vago pelos seus ambientes em visões diáfanas, nos meus sonhos mais profundos. Embora ainda pertença à nossa família, destinada a outros fins e muito desfigurada de sua aparência original, nunca mais tive a coragem de revisitar a casa da minha infância.
Os sons da campainha da rua, das campainhas internas de serviço e do telefone de baquelite negro em cima de uma mesinha ao pé da escada, todas com seus toques característicos, ainda ressoam nos meus ouvidos. Havia rádios, com design streamline, do pós-guerra e da década de 1950, em baquelite e galalite, além de um televisor Empire com seu gabinete em madeira de lei, com portas para proteger a tela, o qual meu avô comprou na mesma semana da inauguração da transmissão de programas de televisão em Curitiba, em 1960, pela TV Paranaense - Canal 12.
Do fundo da minha memória, o que resta da velha casa dos meus avós são as vozes, os odores, os sons, as cores e os seus próprios vultos reluzentes naquele lar em que foram felizes para sempre e onde passei parte importante de minha vida. Quando deixei a casa para morar em um apartamento em julho de 1976, num dia claro de sol aquecendo o úmido inverno curitibano, o que provocava um fenômeno de condensação que fazia as paredes "suarem" e escorrerem, minha avó me disse que "eram as lágrimas da casa, que chorava a nossa partida".
Por vezes ali retorno e vago pelos seus ambientes em visões diáfanas, nos meus sonhos mais profundos. Embora ainda pertença à nossa família, destinada a outros fins e muito desfigurada de sua aparência original, nunca mais tive a coragem de revisitar a casa da minha infância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário